UM NOTURNO DE PAUL-JEAN TOULET
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Nocturne
Ô mer, toi que je sens frémir
À travers la nuit creuse,
Comme le sein d’une amoureuse
Qui ne peut pas dormir;
Le vent lourd frappe la falaise...
Quoi! si le chant moqueur
D’une sirène est dans mon cœur —
Ô cœur, divin malaise.
Quoi, plus de larmes, ni d’avoir
Personne qui vous plaigne...
Tout bas, comme d’un flanc qui saigne,
Il s’est mis à pleuvoir.
Paul-Jean Toulet
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Noturno
Ó mar, tu que eu sinto fremir
através da noite oca,
feito peito de amante louca
que não pode dormir.
Grave, o vento bate na falésia!
É zombeteira canção
da sereia-coração?
Ó coração, sublime moléstia.
Sem mais lágrimas, nem ter
ninguém por ti a chorar.
Baixo, feito flanco a sangrar,
ele começa a chover.
O noturno acima se encontra no Les Contrerimes, de Paul-Jean Toulet (1867-1920). Descobri-o através de mestre Otto Maria Carpeaux, nos Ensaios Reunidos, da Topbooks. Carpeaux relata que “Entre a poesia prosaica [...] e a poesia profunda, a que chamam ‘metafísica’, Toulet está pouco à vontade”. Pois o poeta francês produziu uma poesia “simplesmente poética.” Sem ser, contudo, poèsie pure. Les Contrerimes é a reunião póstuma da sua obra, publicada alguns meses depois que o poeta faleceu. A contenção sentimental e o domínio de ritmo e forma são admiráveis, não somente nesse Noturno como em toda a sua poesia. O sortilégio poético gerado pelos dois primeiros versos Ô mer, toi que je sens frémir/À travers la nuit creuse, essa contemplação marinha através da noite vazia, juntamente com Comme le sein d’une amoureuse/ Qui ne peut pas dormir a inquietação de pessoa apaixonada que não consegue dormir, geram uma sensualidade existencial simples, porém, de rara sofisticação. Pode-se enumerar em Noturno o tônus geral dominante no Les Contrerimes: a modulação melancólica de contida angústia, a condensação epigramática, a ironia pela antítese, que toma toda a segunda estrofe, e a refinada descrição paisagística.
Pelo posicionamento de independência literária mantida ao largo de uma época empanturrada pelos ismos de toda sorte, podemos aproximá-lo a Cecília Meireles, que possuiu uma postura semelhante no Brasil.
Depois de verter para o português o Noturno acima, o comparei com traduções do inglês e do espanhol e notei que minhas liberdades métricas, rítmicas e rímicas foram mínimas. Na maioria das vezes, o heróico quebrado virou redondilha maior, e, somente na segunda estrofe, eneassílabo. As rimas A e D da primeira estrofe são quase literais, achei melhor assim. Preferi manter falaise como falésia mesmo. Fiz o possível para reconstruir as aliterações, já que Toulet utiliza em abundância esse procedimento estilístico. Les contrerimes foi todo vertido para a língua de Cervantes pelo poeta e tradutor madrileno Jorge Gimeno.
Parafraseando Mário Faustino, Paul-Jean Toulet é um grande poeta menor. Na Internet é possível encontrar o livro completo aqui: http://www.florilege.free.fr/toulet/
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