RIMA
A Enrique
García-Máiquez
Saí
sem guarda-chuva, mas chovia
e
com má intenção,
cheguei
ao carro igual à Gil de Biedma
naquela
ocasião
que
eterniza na página 157
na
primeira edição
d’As pessoas do verbo
com
invejável precisão.
E
como todos os problemas,
segundo
mostra a experiência, são
gregários,
do lugar que surge um
num
minuto se forma um batalhão,
estava
ali, fechando a saída
mais
tirada do que um baiano em gozação,
uma
dessas peruas de encanador, de um bom f...
não
o digo por boa educação.
Procurá-lo
nas lojas — cada vez mais retado —,
e
ficar de plantão
por
quase dez minutos, vê-lo chegar, flertando ao celular,
por
fim, ter que agüentar a frustração
de
não ter dito a ele umas tantas coisas,
porque
em pleno Dilúvio, e já tão tarde, então
com
embaçados óculos me era quase impossível
enxergar
o bom f... sim (sem perdão).
Abrevio
o que segue: a marcha ré travada,
os
engarrafamentos, sinais, um caminhão
de
verduras que quase me esbagaça, e os guardas
perfeitamente
piorando a situação.
Assim,
cheguei muito atrasado ao compromisso,
e
comigo toda uma inundação.
E
não faltou a carta venenosa
que,
por não sei que estranha maldição,
em
casos semelhantes
na
caixa dos correios nos esperam de antemão.
“Que
belo panorama”, já começava a dizer-me.
E
de repente, zás, a Inspiração;
sim,
sim, o endeusamento, o furor, a mania,
a
loucura divina da qual falou Platão
em
umas puras páginas do Fedro
e
em outras de Íon.
E
eu embrulhado, ensopado, e, arre!
carrancudo
com tanta chateação.
A
Musa, porém, não escolhe hora ou lugar,
e
aqui estou, terminando feliz minha relação.
Feliz.
Oh! Poesia, poder que nos permite
deitar
todas as sombras fora do coração, e
de
um dia que começa tão cacete
fazer
uma canção.
Miguel
d’Ors, Hacia otra luz más pura,
Editorial Renacimiento, 2003.