INFLUÊNCIA
DAS VOZES
Nunca
fiz um poema limpo
como
o avental de minha mãe:
sempre
os outros e o pó dos Outros
puseram
em mim sua presença.
Como
na infância, há sempre um vulto
emergido
de algum silêncio.
Para
ajudar-me a escrever,
vem
segurar na minha mão.
Mas
rasgo tudo, rasgo o que amo
e
vejo tudo realizado
nas
outras mãos, enquanto fico
desconfiado
de minha força.
Às
vezes mostro a meus amigos
estas
flores, peço-lhes água.
eles
sorriem, são meus amigos,
mas
também estão no deserto.
Já
não preciso ser autêntico:
sobre
uma só realidade
eis-me
na terra como os outros,
sou
os outros, e morro só.
Alberto da Cunha Melo. O cão de olhos amarelos. São Paulo: A Girafa, 2006, p. 254.