ADÉLIA DE CASTRO,
NA IGREJA DA GRAÇA
“Aprendi a esperar algumas coisas:
amigos, certos livros, boas chuvas,
a luz dentro do tempo nas manhãs,
o seu corpo sonhando no meu colo,
os versos invisíveis mais à mão,
a passagem das horas descabidas
em que as harpias seculares guincham
meu nome de batismo como cúmplice.
Aos pés da espera, sentam-se as idades
e a paciência é fruto de outra espera,
tendo o silêncio como ouvinte único.
E cai o gota a gota dos segundos
no olho do real com mais doçura
e entendo que esperar sustenta o
mundo.”
NA IGREJA DE NOSSA SENHORA
DO MONTE SERRAT
Para Claudio Sousa Pereira
Molda meu coração, barro insubmisso.
Por mais que se ofereça é sempre fúria,
pois há sombrios poços que diviso
à beira de mim mesmo, nas funduras.
Molda meu coração, ex-pedregulho,
que percorreu parábolas insanas,
atirando-se contra os próprios urros,
abrindo abismos dentro da garganta.
Molda meu coração, argila impura,
com Tuas mãos de luz em vaso d’água,
e aprendo a servir feito quem desfruta
um sopro de esperança que se
alarga.
MARLY DE OLIVEIRA EM BUENOS AIRES
Para Person Ramos Araújo
“O mundo é sempre o mundo sem conserto.
Desejar consertá-lo é destruí-lo;
nada de reinvenções ou novos eixos,
aquele que o persegue é o perseguido.
O mundo é necessário com seus erros
e vale como vale o ser mais ínfimo;
os segundos respiram rarefeitos,
queimam de gratidão os seus resíduos.
O mundo além do mundo, num folheto,
grava todos os gestos no seu índice;
nada desaparece – vento ou seixo.
Veja-o como ele o vê: espanto vivo.”