terça-feira, 8 de setembro de 2015

I. Dois cavalos


O herói tombou: e logo na medula
seus cavalos sentiam a desdita,
enquanto a mão - tão douta, tão exata -
os deixava, dois barcos, à deriva.

Ao grito estrídulo de escudo e espada,
os animais choraram sem destreza;
sem consolo, brutos, indomáveis,
renegaram, pisando, o rés-do-chão.

No que Zeus (tão cativo da beleza)
sentiu pequeno o coração, maciço, e
"Meus cavalos, por que chorar, por que",
falou, "se lei mortal vos não oprime?"

Mas os cavalos, meio por prazer,
cheios de sombra e pó nas ferraduras,
insistiram no sangue, pele e músculos
da beleza mortal, delícia e logro.

II. Le Réfus

Passam como sombra, alguns; a outros chega
o dia da grande escolha, irrepetível,
do "Sim" ou do "Não", sem recurso nem volta.

A maioria diz "Sim", a fronte erguida
entre louros e pâmpanos, sem remorsos,
e correm a meta prescrita na lei.

Mas quem diz "Não" - ih - está sempre em litígio;
tem réu e juízes no foro, o mais íntimo;
definha entre os autos, sem luz nem sentença.

Érico Nogueira. Poesia bovina. São Paulo: É Realizações, 2014, p.39, 40