segunda-feira, 23 de novembro de 2015

PASSEIO SENTIMENTAL

Let us go, then, you and I...
T. S. Eliot
1

Não se apieda de mim meu coração...
Um exórdio exigente. Segue em dúvida:

Com essa bela chaga vim ao mundo;
foi toda minha herança...Depois cala,

abandona os ensaios de lirismo,
e sai a caminhar

como quem dá um adeus definitivo
ao impossível com um ricto póstumo.

2

Caminhemos, meu cão, sim, caminhemos...
(Vozes alheias ainda o acompanham.)

Na verdade, são três os cães que o seguem.
Os cachorros saltitam fratricidamente,

Porém, o Zoilo corre atrás dos quero-queros.
O areal se derrama sem limites

e o momento é propício. Na ribeira reina
a solidão feliz: plantas e pássaros.

É paz fingida o silêncio da hora?
Se o coração nega, o esplendor se adensa.

3

O poente é cegante com seu ouro
e para ele o céu é ócio puro.

A divisa intocada do verão – 
a andorinha o deleita numa imagem:

baixando como um dardo para o espelho
do rio quase imóvel,

bebe a ínfima gota que a sacia
sem deter seu voo, sem machucar a flor d’água. 


Ricardo H. Herrera, poeta, ensaísta, tradutor nasceu em Buenos Aires, em 1949. Seus últimos livros são El espíritu del páramo. Cien poemas 1977-2009 (2011); En la paz de la página (2012); Cuestión de luz. Diecisiete poetas argentinos (2013); A los antiguos lobos de las musas. Ensayos elegidos 1987-2012 (2013); El latido de un día (2015). Desde 1999 dirige a revista-livro semestral Hablar de poesía  http://hablardepoesia.com.ar/  Recebeu o terceiro Premio Nacional de Ensayo Literario (1988), o segundo Premio de Poesía La Nación (1988), o Premio Academia Argentina de Letras de Ensayo (1996), e o prêmio Traduzione Libero Bigiaretti Città di Matelica (1996), e, em 2014, o prêmio Rosa de Cobre, reconhecimento da Biblioteca Nacional pelo conjunto de sua obra. Os excertos do poema aqui traduzidos (ao todo são 21) saíram no número 30 da revista Hablar de poesía. 


PASEO SENTIMENTAL


No se apiada de mí mi corazón...
Un exordio exigente. Duda y sigue:

Con una hermosa herida vine al mundo;
 Después calla,

abandona su ensayo de lirismo
y sale a caminar,

como quien da su adiós definitivo
a lo imposible con un rictus póstumo.


Caminemos mi perro, caminemos...
(Aún lo escoltan las voces de los otros.)

En realidad, son tres los perros que lo siguen.
Los cachorros retozan en luchas fraticidas,

en tanto el Zoilo corre tras los teros.
El arenal desborda los confines

y la hora es propicia. En la ribera reina
la soledad feliz: plantas y pájaros.

¿Finge paz el silencio de la hora?
El corazón lo niega, ahonda el esplendor.

3 

El ocaso lo ciega con su oro
y el cielo es ocio puro para él.

Emblema del día intacto de verano,
la oscura golondrina le regala una imagen:

desciende como un dardo hacia el espejo
del río casi inmóvil,

bebe la ínfima gota que la sacia
sin detener su vuelo, sin dañar el cristal.