Do livro Dicionário amoroso de Salvador, Casarão do Verbo, 2014.
Ba-Vi
Rivalidade
que se perde na noite dos tempos. Qualquer dado, estatística que você for
verificar, cuidado. O torcedor é sempre um fanático, e, mais do que óbvio,
tenderá para o time dele, isto é, puxará a brasa para sua sardinha.
Algum gaiato espalhou que se
macumba ganhasse jogo o Ba-Vi sairia sempre empatado. Eis aí uma grande
inverdade. Os orixás também torcem e muito santo faz sua fezinha. Os dois
times, Bahia e Vitória, podem estar caindo pela tabela no campeonato
brasileiro, e quando conseguem se manter ou chegam lá no susto, mas aí... o Ba-Vi
entra em campo. A torcida do time vencedor transformará o domingo à noite
num..., num... Calma, estou procurando um termo apropriado, uma palavra que
defina a zoeira, a arruaça, a baderna, e o ego superinflado do torcedor. Quem
vencer se considerará um time insuperável. Numa situação dessas, escutei um
taxista tricolor dizer que “pode vir a seleção que vier, a gente quebra”. É por
aí.
O Ba-Vi é sempre superlativo,
isto é, ba-víssimo! O ego dos torcedores é maior, bem maior, do que a Fonte
Nova, reconstruída, aliás. Dizem que o torcedor do Ba-Vi durante o jogo não se
entrega, aguenta o suspense, as falhas ou acertos do juiz? Que nada! Ele
enfarta, sai na peixeira e mata a mãe! Os torcedores de um Ba-Vi são como água e
óleo. Não há uniformidade possível. Em hipótese alguma um deixará de sacanear o
outro, nem em enterro. Pior para o morto.
O ápice desse excesso é um final
de campeonato. Não importa qual. Você verá homens duros — que perderiam um
braço sem dar um pio — chorarem feito menino buchudo que lhe roubaram o doce.
Depois do último apito, a cidade se transforma num grito só.
É homérico e minimalista ao
mesmo tempo. Distingo. Durante o jogo é batalha campal. Após a partida, mal a
manhã pôs o nariz pra fora da noite, escuto daqui da varanda, os porteiros e
moradores detalharem lance a lance em detrimento do perdedor da vez. Se revidar
a coisa se agrava, mas nem adianta. É
Já-ia de um lado, Vice-tória do outro, infinitamente. E isso é só o começo. A
inventividade para sacanear o perdedor da vez é sem tamanho. Desse modo, é
preciso exemplificar os primórdios da rivalidade. O baba.
Um
baba decide masculinidades e, nos tempos que correm, feminilidades. Evidencia,
na aparente descontração, uma guerra íntima de egos, de jogadores de fim de
tarde ou finais de semana. Se o Ba-Vi é um épico, o baba é o drama em
miniatura. Se num baba você tomou aquele drible vergonhoso, é provável que
herde traumas que nem Dr. Freud resolverá. O esportista amador, é claro, não
tem o tempo e a dedicação de um profissional, mas mentalmente é um Pelé. Faz
lançamentos em profundidade como um Zico. Possui a classe de um Bobô. O melhor,
no entanto, é o pós-baba. O cenário? É óbvio: um boteco, com a narração
hiperbólica de feitos incomuns. Um gol de canela se transforma em precisão
milimétrica; chutão na zaga em barreira intransponível. As metamorfoses são
impagáveis, e a assistência nem faz que acredita, pois só escuta a si mesma
enquanto se afoga em cerveja e utiliza o tira-gosto como tábua de salvação.
Acima de qualquer suspeita ou
pedantismo, o Ba-Vi é uma questão metafísica. Está além de explicações
racionais. É feito a vida — radical! Ou é ou é. Não há meio termo. Não há
registros de alguém que nasceu Bahia e virou a casaca para o Vitória, ou
vice-versa. Não há porque é uma ofensa pessoal, se fizer isso, morre.