segunda-feira, 6 de março de 2017

Do livro inédito Auto da Romaria:

O ex-violinista


As lições desafinadas,
semifusas da memória,
o menino é a nota máxima
na constante palmatória.

Me perdi nas quatro cordas,
tão difíceis semitons,
se o teu dom além transborda,
eu, no entanto, não fui bom;
  
e rompi cravelha e arco,
e rompi estojo e breu,
o que continua intacto
é o som do que se perdeu.

A madeira volta à árvore?
A queixeira inda machuca,
esse vibrato mais árduo
o coração executa.

A mão esquerda teimosa,
a mão direita agradece
uma nota que recorda,
outra que desaparece.

A alma permanece ali,
sustentando as duas tampas:
na de cima – me prendi,
na de baixo – a dor é tanta!

Nessas décadas comigo,
teu silêncio é fiel.
Se te obriguei, desobrigo,
perdoa, amigo, o labéu.

Nas quatro cordas rezei:
mi – a mais aguda, o hinário,
sol – a mais grave, chorei,
em e fui falsário.

As lições desaprendidas,
os dedos estão calados,
o ex-violinista convida
alguns cantos desusados.

Somente os anjos escutam
as músicas do menino – 
melodias que não mudam,
quando mudam os violinos.