quinta-feira, 1 de maio de 2014

A TARDE LÍMPIDA


No desfiladeiro das Termópilas
vi, sobrevivente único da chacina,
como a História é só uma tarde límpida.
Pois era a tarde mais límpida que já víramos.
Os companheiros olhavam a nuvem esquecida,
não temiam;
observavam o vento tremulante
nas folhagens,
faziam planos para o dia seguinte
-- que
            não haveria.

Ainda pude ver a nuvem desfazendo-se.

E, então, o estrépito.
A intensa fúria contra a fúria imensa.
Abatíamos e éramos abatidos.
E por certo ainda havia aquela nuvem
quando os ouvi dizer: Matamos todos.
Mas era noite quando abri os olhos
  e fugi.
Quarenta anos coxo, estropiado
em montes da Arcádia amiga.
Sobrevivi. E conto. Aquela
é que foi minha vida: a
tarde
            límpida.

Antonio Brasileiro. Desta varanda. Salvador: P55 Edições, 2011, p.11.