Dois amigos me ajudaram a
resolver uma questão de escrita que, no meu caso, caminha no mesmo andamento
com a vida. Eu sei, é pobre, mas é minha. Depois disso, aceitei poemas que eu
havia escrito e não aceitava, e voltei a escrever sobre memória. Sim, memória.
Para a amiga dediquei o poema abaixo e, no embalo, vão mais dois. Ao amigo já
dediquei poemas e toda uma seção de um livro inédito. É minha maneira de
agradecer a generosidade e a gentileza dos dois. Gratíssimo, Luciane Amato e
Wladimir Saldanha.
LUZ LEMBRADA
Para Luciane Amato
Há um Éden na relva da memória,
relva do instante toda serenada;
a cor do sol abre-se em cheiro e orla
as margens da alegria e suas águas.
Abre-se como quem voa e acorda
cidades, flores, serras, o que estava
e não estava em vão na trajetória
imóvel – do que vendo não se cala.
Há um Éden na relva da memória,
onde serpentes súbitas se alam,
perigos de quem vive nas desoras
do coração e delas não escapa.
A matéria de amor que nos transborda,
sem testemunhas dessa luz lembrada.
O QUE FOI SEMPRE
A memória é um sonho acordado,
luz firmando na luz sua matéria.
Retalhos, pó, resquícios do mais vasto
e do ínfimo pulsam numa estela
inscrita como um carma entre os meus braços
– palpita o seu frescor de apagamento,
floresce sobre a cama num retrato, e
no retrato respira o que vai sendo.
Não pode ser desfeito o que foi sempre
– senda de estrelas, dor do mais pequeno –,
o céu espelha o tempo no seu ventre,
e o tempo mais faminto e mais sedento.
MAR SECRETO
O cheiro diz a coisa – mundo aberto,
num átimo explosivo – mundo erguido
à tona do real já ex-deserto,
à tona de mim mesmo sem aviso.
Acaba de nascer um mundo antigo,
banhar-se duas vezes – mar secreto –,
nas ondas invisíveis me enraízo
e cresço como crescem os afetos.
A memória é um menino esquivo,
seu ser de espanto fulge e desconhece,
essa espantosidade sem alívio
expande no seu corpo que adolesce.