TRANSLATED BY TIFFANY HIGGINS
SALVADOR, 1996-2013
Dos acidentes que a
modelam
em luz e sal, essas
escarpas
são os desenhos que mais
pesam,
a vida em queda dos sem
mapa.
Ali do alto, que é
abrupto,
a cidade é curva
contínua,
sinuosidade negativa,
abre-se em praias e
ravinas.
Disseram gorda em
seu amplexo,
digo salitre,
vento Atlântico:
salga e apodrece em
paradoxo.
Aqui se canta um velho
cântico:
lá no São Bento, anjos
mulatos;
em toda cúpula e
pilastra
pesam arcanos e
Evangelhos,
da vida menos a mais
vasta.
No Santo Antônio Além do
Carmo
o casario nada ensina;
sim, a não ser o som
amargo
do que ruindo contamina.
Tudo externado? Não o
âmago,
por isso engana quem a
vê
cidade-entrega, as cores
gritam
em cada esquina o seu
não ter.
A precisão só vem de
cima—
luz em ladeiras, luz
marinha,
a luz em flor, a que
combina
a dor do nu, o mel da
vinha.
SALVADOR, 1996-2013
Of the accidents that sculpt her
in salt and light, these escarpments
are the designs with most heft,
the life that lies in wait for those without a map.
Up there on high, steep,
the city’s continuous curve,
a negative sinuosity,
opens in ravines and shores.
They called her amplitude portly,
I say saltpeter, wind off the Atlantic.
Paradox, it both preserves and rots.
Here is sung the old sea shanty.
In the church of Saint Benedict, mulatto angels,
in each cupola and pilaster
incline archangels and gospels
of a life less or more vast.
In the parish of Saint Anthony Beyond the Carmo
the colonial row houses teach nothing—
well yes, not-being, the bitter sound
of what, collapsing, corrupts.
All’s external? Not the core. Whoever
thinks they see the city, pleasantly delivered,
is deceived. On each corner colors scream
what you won’t have.
Precision descends only from above—
light on the alley slopes, maritime light,
light in flower that combines
the pain of the nude, the honey of the vine.
CAPELA DO HOSPITAL SANTO ANTÔNIO
Para Claudio Sousa Pereira
Saiu do século ao entrar
na dimensão do amor mais
limpo:
servir. Daquela
claridade
que a devoção impõe aos
puros.
A vida inteira num só
gesto:
servir. Acorde se
estendendo
(quem O desfere?) além
dos círculos
de nossas noites
ordinárias.
E que instrumento te
moldaste!,
em que o rumor, reino
tão frágil,
de nota em nota
condensou-se
em menos fel e mais
altura.
Disso se trata: dar ao
fardo
secreto e anônimo de
muitos
a proporção de outra
promessa.
Quando pedir é
maravilha,
de porta em porta a mão
que planta.
Força de flor—perfuma e
sana,
conforme a água do seu
vaso,
às vezes barro, às vezes
sombra,
espera sempre. Vê:
precário
artesanato ao
contorná-la.
Aqui estão teus ossos,
dulcíssima.
É quando o pó alumbra em
dom.
CHAPEL OF ST. ANTHONY’S HOSPITAL
for Sister Dulce Pontes,
the Good Angel of Bahia
You emerged from the
century to enter
the dimension of love
that is most clean:
to serve. From the
clarity
that devotion imposes
upon the pure.
The whole of life in a
sole gesture:
to serve. You wake up
extending yourself
(who sets you going?)
beyond the circles
of our ordinary nights.
And what an instrument
you molded!
in which discord,
precarious king,
note by note condensed
into less gall and more
lift.
The matter’s this: to
grant the secret
and anonymous burden of
many
the proportion of
another promise.
When to implore alms is
a marvel,
door to door the hand
that plants.
Force of flower, it
perfumes and cures
conforms to the water of
its vase—
at times clay, at times
shade—
It always awaits. See
how precarious
is the handicraft that
lends it contour.
Here are your bones, o
sweetest.
When this dust illumines
into gift.
Translator’s Note on “Chapel
of St. Anthony’s Hospital.” With few resources, and by asking for funds, Sister (Irmã) Dulce
Pontes almost single-handedly organized the construction of the hospital, which
now daily serves thousands free of charge in Salvador, Bahia. She devoted her
life tohelping the poor (1914-1992, beatified 1991).
FROM A FONTE VERTICAL
Rezei, saí. Vou de
ônibus. Ponto lotado. Já foi
pior, pensei. Que faço
ou que farei me queima.
Conheço aquela mulher,
vai cansada: —Ei, olá! Digo: —Oi.
Fico em pé, espremido,
mas a voz, sim, teima,
a voz, sem trela (não,
não deveria sair do São Bento),
não vai me abandonar,
querela que não cessa.
No avança-para do
ônibus, luto (abafado e sem vento)
e apanho dos mistérios
(câimbra) da promessa,
do já sabido inegável,
refeito a suspiro e exaustão,
das vertigens do corpo e
os tumultos cardíacos,
esse intervalo tão
frágil que exploro sem (troco de mão)
recursos, aferrado no
meu tom maníaco.
Depois da curva, o
oceano desfralda-se, quero e deliro
nesse rompante em
levantar o véu de tudo,
fracasso. Desço na orla,
o mar chama-me. Não vou. Respiro
a transparência absoluta
e quedo mudo.
FROM THE VERTICAL SOURCE
I prayed, went out. The
bus stop, packed. It was worse before,
I thought. What I’m doing
or what I will do is burning me.
I know that woman who
says, fatigued: "Hey there!" I reply "Hi."
I stay standing,
squeezed in, but the voice, yes, insists
without letup (no, I’m
not getting off at Saint Benedict)
it’s not going to let me
go, the quarrel without cease.
In the bus’s
stop-and-go, stuffed in, craving a breeze, I struggle
and I’m catching
mysteries (cramp!) of the promise—
the already known,
undeniable, refashioned as sighs
and dizziness, cardiac
tumults
this fragile interval I
explore (now changing hands)
without stratagems, my
persistent tone of the maniac.
After the curve, the
ocean unfurls, I desire the delirium
of this outburst that
lifts the veil from everything,
I go down to the shore,
the sea calling me. I don’t go. Staying
quiet, I breathe the
absolute transparency.
NITIDEZ SUBMERSA
Nos sapatos confortáveis
um pouco velhos e gastos
a fuligem das cidades
redesenha o seu mapa.
Não me venham com
saudades,
sombras, vultos e
fantasmas,
o peso e a profundidade
das coisas não nos
sufocam.
Dos caminhos caminhados
—avenidas, becos,
praças—
multidões tumultuosas
na fuligem dos sapatos.
Pó do mundo respirado
em seu tédio corrosivo,
não escapam os voos
altos
das naves mais
arrojadas.
Na verdade, nada escapa.
É preciso a cada istmo
contra essa névoa
cegante
renovar o gesto limpo,
porém não lave os
sapatos,
não porque registre
tantos
itinerários, andanças,
mil labirintos urbanos,
a
fuligem aí pousada,
cartografia amorosa,
indica veios, filões
dessa nitidez submersa.
Alargue as tuas pupilas:
paciência ao inspecionar
cada trecho dessas
nódoas;
nos interstícios,
estrias,
nas grafias do diáfano,
se entrevê pela fuligem
a clara sustentação
dos fios frágeis do
mundo.
SUBMERGED CLARITY
On your comfortable
shoes,
a bit old and broken in,
the soot of cities
redesigns its map.
The shoes don’t come to
me with nostalgia,
shadows, figures,
phantasms.
No, the weight and
profundity
of things won’t
suffocate us.
From well-trodden paths
—avenues, alleys,
plazas—
crowds’ tumults
in shoes’ soot.
Dust of the breathed-in
world,
its corrosive tedium.
Yet they can’t escape
the higher flights
of more daring ships.
In truth, nothing
escapes.
Each isthmus is needed
against this blinding
mist
to renew the clean
gesture,
So don’t wash those
shoes,
not because they
register
so many itineraries,
wanderings,
a thousand urban
labyrinths, this
soot already a dwelling,
amorous cartography,
indicates lines, veins
of this submerged
clarity.
Widen your pupils:
have patience to inspect
each segment of these
stains,
stretch marks in the
interstices,
handwriting of the
diaphanous:
delivered through soot,
the clear sustenance
of the world’s fragile
threads.
Tiffany Higgins is the author of The Apparition at Fort Bragg (2016), an e-chapbook, winner of the Iron Horse Literary Review e-single contest for a long poem,
selected by Camille Dungy. Her book And
Aeneas Stares into Her Helmet (Carolina
Wren Press, 2009) was selected by Evie Shockley as winner of the Carolina Wren
Poetry Prize. Her poems appear in Poetry, Massachusetts Review, and
other journals. Her
translations of Rio poet Alice Sant’Anna’s poetry, Tail of the Whale, are
available as a chapbook from Toad Press (2016).