quarta-feira, 27 de março de 2013

Dois poemas de Érico Nogueira 

1.

Entre as ruínas, ai, de arco e busto,
eu busco ouvir além do meio físico:
ouvir o que se entrega a um alto custo
a quem, como eu, é carne e pouco espírito.

Se me surgisse em riste ou em decúbito
a via donde vim e vou com gosto,
meu coração tão flácido, de súbito,
levantaria sangue para o vôo.

Ou seja: o espírito, que tenho pouco,
e vou perdendo quanto mais existo,
onde estará, se Roma é este poço
de secreções e beijos de granito?

4.

Instrui — a mente não —, instrui o instinto
na língua, se sutil, mais carregada:
em que modulações do tom mais limpo,
cílios da pálpebra mais comportada,
trejeitos da cabeça mais centrada,
têm intenções, têm múltiplo sentido:

conforme esteja quem conforme a lua
amplia ou diminui o que te mostra,
ajeita a tua mão à sua luva
e ataca, ou pela frente, ou pelas costas.
A ocasião se colhe como a uva
que a chuva não encharca, e o sol não tosta.

Érico Nogueira, Dois, É Realizações, 2010, p.23,26.