sexta-feira, 22 de março de 2013

Soneto de António Ferreira (1528-1569), poeta português. A grafia é a encontrada na edição indicada abaixo.
 
3
 
    Despojo triste, corpo mal nascido,
escura prisão, e peso grave,
quando, rota a cadeia, e volta a chave,
me verei de ti solto, e bem remido?
 
    Quando, c’o esprito pronto, aos céus erguido,
(depois que est’alma em lágrimas bem lave)
batendo as asas, como ligeria ave,
irei aos céus buscar meu bem perdido?
 
    Triste sombra mortal, e vã figura
do que já fui, uns dias só sostida
daquele esprito por quem cá vivia,
 
    quem te detém nesta prisão tão dura?
Não viste a clara luz, a santa guia,
que te lá chama à verdadeira vida?
 
António Ferreira, Poemas lusitanos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2000,  p.80.