Ao ler o “arquivo implacável”, respondido por Gustavo Felicíssimo, ri muito por sua
sinceridade debochada e peito aberto. Aí está o homem que publicou Outros silêncios, 2011, Procura e outros poemas, 2012, Blues para Marília, 2013 e Desordem, 2015 – todos de poesia. Faz um
trabalho incrível, juntamente com sua esposa Gisele Soriano, na pequena,
valente, digo mesmo surreal, editora Mondrongo. Confira no site: www.mondrongro.com.br.
Ano passado, escrevi para a revista Nabuco sobre GF o seguinte: “Para quem convive com o poeta Gustavo Felicíssimo percebe que os seus versos revelam o homem que
ele é. Ímpeto honesto, rara franqueza, vontade de melhora, diálogo aberto.”
Corroboro o que eu disse. A vítima agora é ele.
ARQUIVOS IMPLACÁVEIS
À maneira de João Condé
Nome: Gustavo Felicíssimo, mas pode me chamar de O Louco da Mondrongo.
Onde nasceu e a
data: sou natural de Marília, uma cidade
que nasceu poesia.
É casado (a),
tem filhos? Casado pela quinta vez, mas
a minha única paixão é a poesia. Já a minha idolatria vai para a minha filha, Flora,
a dona do meu cansaço e da minha alegria.
Altura: sou uma centelha de 1,80 m.
Peso: não me peso mais, cansei de iniciar dietas
após subir em uma balança.
Número dos
sapatos: tenho dois, ambos 41.
Prato preferido,
bebida e jogo: o que mais gosto de comer
é boceta. De beber é cerveja. Meu jogo é minha vida, uma roleta russa
constante.
Gosta de cinema,
teatro, quais prefere? Nem cinema nem
teatro. Gosto mesmo é da vida. No entanto estou sempre apaixonado pelo filme
mais recente que gostei, neste caso é A Coleção Invisível.
Poeta e prosador
preferido: o poeta que mais me causa
espanto é o Ferreira Gullar, já o Alberto da Cunha Melo é o que mais me causa
estranhamento. O meu prosador favorito é um cronista que pouca gente conhece.
Triste nação é essa que nunca leu Antônio Lopes. Chega a ser vergonhoso.
Tipo de música e
músico preferido: rock and Roll, baby!
Que se foda quem não gosta do Marcelo Nova.
Qual pintor
preferido? O meu amigo Rafael Pita.
Qual a cor
predileta? O verde-azul dos olhos da minha
filha.
Quando escreveu
seu primeiro texto? Vai fazer pergunta
difícil assim lá no inferno.
Dos seus livros
publicados qual o preferido e por quê? Blues para Marília, pelas
reminiscências, pela emoção nele derramado, e por ter arrancado lágrimas do Sérgio
Ricardo, é o meu preferido.
Se pudesse
recomeçar a vida o que desejaria ser? Poeta.
Mas Deus poderia caprichar um
pouquinho mais e me colocar em uma família abastada, para que eu não precisasse
bater um prego num mamão.
Seu principal
defeito: vá perguntar isso para os meus inimigos e para minhas ex-mulheres.
Sua principal
virtude: adorar palavrões.
Coleciona alguma
coisa? Histórias. Como aquelas da nossa
viagem para Bom Jesus da Lapa. E livros.
Algum hobby? Sempre me dediquei a seduzir mulheres a
quem causo uma primeira má impressão.
Uma ou duas
grandes emoções em sua vida? Não há
emoção maior que a de ver um filho vir ao mundo. Isso basta.
É crente ou
ateu? Canalha.
Três livros que
mudaram sua vida ou, se não mudaram, mas tocaram fundo: nenhum livro mudou a minha vida, mas vivo a reler tudo de Antônio
Lopes, Gullar e Alberto da Cunha Melo.
Se pudesse
escolher como gostaria de morrer? Como
sonhei um dia. Isso está no poema que segue abaixo:
Morte do Poeta
Talvez
eu morra de tanto existir,
talvez
um verso me socorra.
E
quando passar, é certo,
não
seja como um ser abjeto.
Quando
eu morrer, à beira mar,
que
seja ouvindo o bramido das ondas.
Assim,
entre os versos de uma vida
alguma
verdade quem sabe se afira.
Quem
sabe um poema perdure
e
perfure a pele do tempo.
Quem
sabe na hora exata o poema
perfeito
que não poderei anotar.
Talvez
seja um haikai divino,
talvez
um soneto fescenino.
O
vento deixando no tempo
as
palavras trazidas do mar.
Se
buscando paz encontrei paisagens,
deixarei
uma prece na última tarde.
E
montado no dorso do ocaso
levarei,
companheira, a saudade.
À
filha que tive e muito tenho amado
ficarão
os passarinhos nos telhados.
E
à mulher que me foi destinada,
um
concerto de orquídeas no jardim.
Ficarão
as cinzas do que fui
junto
aos coqueiros de Olivença.
E
junto aos sonhos irrealizados,
aforismos
à próxima existência.
Sem
que pelas palavras seja revelada,
de
mim apenas a natureza restará.
Lembrarão
da minha voz grave
contra
a sujeira do nosso tempo.
Lembrarão
dos passos embriagados
atravessando
noites enluaradas.
Se
for durante a primavera
terei
ouvido a Valsa das Flores.
Terei
visto pela última vez
um
beija-flor na minha varanda.
Mas
se for ao verão, que pena;
não
mais as meninas douradas de sol.
Alguns
amigos ficarão
como
sementes que plantei.
A
face leve, embora vivida,
dirá
sobre o tempo decorrido.
Em
forma etérea olharei meu corpo
confortavelmente
estendido na areia.
Direi
para mim e para os céus:
como
foi bom ter vivido em Ilhéus!
Do livro Blues para Marília:
Do livro Desordem: