sábado, 31 de março de 2012

Dois sonetos que traduzi do poeta suíço Phillip Jaccottet. Tomei várias liberdades, inclusive métricas, um tico de tudo -- gaita galega, alexandrino espanhol ou não etc.
Mais do poeta aqui: http://www.espritsnomades.com/sitelitterature/jaccottet/jaccottetphilippe.html

Estás aqui...

 
Estás aqui, a ave de vento descendo,
tu, minha dor, minha ferida e carinho.
Velhas torres de luz desvanecendo,
com a ternura entreabrindo seus caminhos.

A terra agora é o nosso condado.
E nos movemos entre a erva e as águas
desse lago onde nos beijamos cintilados,
espaço onde fulmino as falsas mágoas.

Onde estamos? Perdidos bem no coração
da paz. Aqui, sim, onde nada diz que
sob a nossa pele, sob casca e chão,

com a força de touro, o fugitivo
sangue que nos confunde em aflição
feitos os sinos sazonados nos campos vivos.


Tu es ici, l'oiseau du vent tournoie


Tu es ici, l'oiseau du vent tournoie,
toi, ma douleur, ma blessure, mon bien.
De vieilles tours de lumières se noient
et la tendresse entr'ouvre ses chemins

La terre est maintenant notre patrie
Nous avançons entre l'herbe et les eaux
de ce lavoir où nos baisers scintillent
à cet espace où foudroie la faux

“Où sommes-nous?” Perdus dans le coeur de
la paix. Ici, plus rien ne parle que
sous notre peau, sous l'écorce et la boue,

avec sa force de taureau, le sang
fuyant qui nous emmêle et nous secoue
comme ses cloches mûres sur les champs.


Philippe Jaccottet


Eu agora já sei...

Eu agora já sei que não possuo nada,
nem mesmo o belo ouro dessas folhas vis.
Ainda menos esses dias em revoada
a longos golpes de asa a uma pátria feliz.

Ela fugiu com eles, a imigrante fanada,
beleza débil, com seus secretos frustrantes,
vestida de bruma. E sem dúvida levada
algures, pras florestas chuvosas. Como antes

me encontrava no umbral dum inverno irreal
onde canta o pardal tenaz, chamando só, tal  
a hera que não cessa. Quem pode exprimir

qual seu sentido? Vejo a vida me fugir   
análogo ao fogo breve da névoa que arde,
que um vento glacial aviva, apaga. É tarde.




Je sais maintenant que je ne possède rien...


Je sais maintenant que je ne possède rien
pas même ce bel or qui est feuilles pourries
Encore moins ces jours volant d'hier à demain
à grands coups d'ailes vers une heureuse patrie

Elle fuit avec eux, l'émigrante fanée
la beauté faible, avec ses secrets décevants
vêtue de brume. On l'aura sans doute emmenée
ailleurs, par ces forêts pluvieuses. Comme avant

je me retrouve au seuil d'un hiver irréel
où chante le bouvreuil obstiné, seul appel
qui ne cesse pas, comme le lierre. Mais qui peut dire

quel est son sens? Je vois ma santé se réduire
pareille à ce feu bref au-devant du brouillard
qu'un vent glacial avive, efface. Il se fait tard.

Philippe Jaccottet


domingo, 18 de março de 2012

Antes de uma viagem a Buenos Aires, pesquisei e fiz um recorte, dentro de minhas escolhas, de um tipo de poesia que se pode intitular de contemplativa, ou metafísica, ou de lírica reflexiva (se tais termos não forem uma contradição em certa perspectiva), ou ainda de pendor clássico, por assim dizer, e descobri uma seara riquíssima dentro da faina poética na América Espanhola. Trouxe vários livros, não só de poesia, e, quando possível, irei apresentando aos poucos. Foi através do blog do poeta, tradutor e ensaísta Pablo Anadón http://eltrabajodelashoras.blogspot.com/ que encontrei esse filão. Uns — há algum tempo atrás, e não apenas argentinos — foram-me apresentados indiretamente pelo poeta e tradutor Marco Catalão. Outros eu descobri através da internet.  



Assim, do notável poeta e tradutor do grego moderno Horácio Castillo (Ensenada, 1934 – La Plata, 2010), eu trouxe de Buenos Aires La casa del ahorcado, Obra poética 1974-1999, Ediciones Colihue. No estudo preliminar de Pablo Anadón lê-se: “Horacio Castillo é um desses poetas que, como o seu admirado Kaváfis, enquanto constroem sua obra gozam de um seguro prestígio, porém quase secreto entre um número mais ou menos exíguo de fiéis leitores, críticos e poetas. [...]  Castillo escreveu pouco e — assim como o mencionado poeta alexandrino — publicou menos ainda. [...] Editou, no curso de vinte e cinco anos, quatro livros de poesia de não mais de vinte poemas cada um: Materia acre (Carmina, 1974), Tuerto rey (Carmina, 1982), Alaska (Libros de Tierra Firme, 1993) y Los gatos de la Acrópolis (Ediciones del Copista, Col.“Fénix”, 1998).” O estudo completo e mais outros textos sobre a vida e a obra de Horacio Castillo podem ser lidos aqui:

Poemas:
APENAS POR UN POCO MÁS DE LUZ

Hemos sido mucho tiempo prisioneros de los
     conceptos.
Demasiados han muerto por una palabra,
o menos, por su sombra,
para seguir haciéndolo.

Seamos más honestos: luchamos, sí,
pero apenas por uno poco más de luz,
la dignidad de haberlo intentado.



AL PIE DE LA LETRA

Ciudadanos: he sido probo. Escrupulosamente hice
lo que la ley no prohíbe y no hice lo que prohíbe,
de tal manera que podéis considerarme un hijo dilecto,
uno más de los que cerraron su oído al motín, el
    corazón a la aventura.
Cada vez que la ciudad dijo sí, dijeron sí mis labios,
y dije no cada vez que la ciudad dijo no.
Quién me ha visto discrepando en las asambleas?
Quién conoce la naturaleza de mi causa?
Quién se agravia del pro o el contra?
Nadie puede levantar un dedo contra mí,
nadie puede ofrecer prueba, dar testimonio, torcer hechos,
     proferir injuria,
y quien lo hiciere atraería sobre su temeridad unánime
    sancíon,
porque nadie, ciudadanos, me conoce como vosotros,
y nadie como vosotros sabe que he cumplido al pie de la
     letra
ahorrando a la ciudad um verdugo, al porvenir un héroe.



PARA SER RECITADO EN LA BARCA DE CARONTE

El paisage es más hermoso de lo que habíamos
     imaginado:
estas murallas que caen a pico sobre nosostros,
aquel sol negro descendiendo sobre la laguna,
allá, a estribor, un arco iris que refracta la niebla.
Pero esta moneda de hierro entre los dientes,
este óbolo que debemos morder hasta el término del
    viaje,
cierra la boca que desea cantar.
Cantar para estas almas tristes sentadas en el banco,
mientras el cómitre marca con el látigo el compás,
mientras ordena remar sin interrupción,
cada vez más fuerte, cada vez mais rápido, más lejos de la
    luz.