terça-feira, 29 de julho de 2014

HOMERO


Si ahora llegase Homero
a tu jardín, ¿qué harías?
¿Dónde guardas los dátiles, la miel,
la leche o un trozo de puerco?
¿Crees que hablaría contigo de las Pléyades
y podrías darle a leer tus poemas?
¡Oh, padre Homero, siéntate y escucha!
Dime si Ulyses, si Penélope, si la luna roja
de setiembre, si la escarcha o el viento
cierzo, si las vides o la marina espuma,
si la rima o la luna, si la muerte
están bien situadas en mis versos,
sólo esto.


José Jiménez Lozano. El precio, Ed. Renacimiento, 2013, p.45.  

sexta-feira, 25 de julho de 2014

O VATICÍNIO DA SERPENTE


feitas de rude barro
inúteis são tuas asas
                                 filho do Homem
à Ilha foste condenado
e nada saberás a respeito da Queda

cuidado
querubins sanguinários guarnecem o Paraíso
se muito te aproximares
                                     ao pó volverás
estás imerso em turvas águas
                                   filho do Homem
nada podes divisar
                            senão vultos

aprende o voo-flecha do peixe
e vislumbrarás o eterno


ECLESIASTES II


nadar
desde a madrugada do tempos
nadar
até que o Pescador Implacável
lance a rede sobre o mar


HERMES TRIMEGISTO


as brancas águas do silêncio
dissolveram-me os tímpanos
e meu brado lacerou
o duro tecido dos séculos
restou-me caçar esfinges
por entre miragens no deserto


BLAISE PASCAL


nunca
ninguém
jamais
será escutado

surdo é o grito
dos afogados


***

formiga
afogada
no mar

da lágrima

 ***

xadrez a três

o sopro do vento
derruba reis


Bernardo Souto. Poemas dos livros Teatro de sombras. Recife: Edições Moinhos de Vento, 2011 & Elogio do silêncio. Recife: Ed. do Autor, 2010. 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

TEMPO DE ALIENAÇÃO


Até a palavra pêra pode aqui enganar-nos.
Até a palavra barba pode aqui enganar-nos.
Até a Rua do Sol pode, em rua, enganar-nos.
Somos falhos da coisa: só a falta também
pode enganar-nos. Tudo perde seu sentido
quando pronunciado. 

                                O mundo é irrevogável.

Nauro Machado. Antologia poética. Rio de Janeiro: FBN,Imago, UMC, 1998, p.232

sábado, 12 de julho de 2014

BOLERO DE ANIVERSÁRIO


Quando iniciou toda esta história,
já não consigo me lembrar;
mas dá na mesma: “Quando se ama
ah... sempre temos vinte anos.”

Éramos jovens, muito loucos,
pois nossos gestos denunciavam.
Desobedientes aos preceitos
da prudência, bem..., nos casamos.

(Para que tudo harmonizasse
aquele marco incomparável
numa remota igrejinha e um
mês de julho dos mais paulistas.

Foi de verdade inesquecível:
ao padre e aos convidados
ainda hoje dói na memória
o feroz frio que passamos.)

Nossas reservas de futuro
também estavam bem abaixo
de zero, mas em sonhos éramos
mais milionários que Bill Gates.

Éramos tão ecologistas
e naturistas que já estávamos
chamando-nos papai, mamãe
antes de haver passado um ano.

Ela era linda, eu bem bestinha,
e dois péssimos matemáticos,
assim que um dia, de repente,
um mais um, já éramos quatro.

E logo cinco e seis e nove,
e cada vez maior escândalo.
(E se é verdade, os sentimentos
são os mais revolucionários.)

O povo que é mui generoso
com seus conselhos, sempre dando-nos
ânimo: — “Filho neste mundo!,
apartamentos são tão caros,

como vão pagar os estudos,
e o problema demográfico”,
no final de todas as contas
nós dois estávamos ferrados.

Tinha o povo suas razões:
pois claro está que era insensato
tudo isso, e a bem da verdade
poucas e boas nós passamos;

e houve grunhidos, maldições,
lágrimas, gritos e insultos.
(A vida é o mais parecido
a um dramalhão mexicano).

Mas, apesar de tantas coisas,
atravessamos esses anos,
aqui está hoje aquele amor;
cheio, é certo, de esparadrapo,

mas o mesmo daqueles sonhos
radiantes (algo distraídos);
o mesmo..., contudo, hoje o tempo
multiplica por vinte e quatro.

25-I-97
Miguel d’Ors, Hacia otra luz más pura, Editorial Renacimiento, 2003, pp.63-65


quinta-feira, 10 de julho de 2014

08 – 

Não leve nada, vá só, sem bagagem,
o que ficar, valeu, desapareça
ou não, e vai doer, sem malandragem,
e desadianta não querer, esqueça, 

nada de choro, esboço, uma sondagem
antes de ir, espere o pior, desça
ou suba, assim, sabendo, sem chantagem,
e desconfie dos guias, mas aquiesça,

já que é inútil resistir, herói
ou sábio não serás, e se te derem
tais atributos, é falso, vil lábia,

recuse tudo, o dado se destrói,
nem pense que o corpo é teu, se te ferem,
deves, pois morrer é o dom da cobaia.   
  

09 —


Não é tão sem sentido assim, senão
não continuarias. Olha aí
mais um livro, são quantos já? Pois vão
dizer, e com razão, que o verso ali

— apesar do rigor e da canção —
é beco sem saída e volta sobre si
mesmo, como um guru da negação
numa espiral irrespirável. Li

a estrangulada letra dessa vida,
na qual se escuta o eco alucinado
do seu sonoro círculo suicida.

Apesar da beleza deu enfado.
Exagero? Talvez. A trilha é batida,
mas que gerou um nome e alguns trocados.

A dimensão necessária. Itabuna: Mondrongo, 2014, p.76,77





segunda-feira, 7 de julho de 2014

SONHO RECORRENTE OU SEIS PASSOS PARA UM POEMA SURREALISTA


Assim se sucedeu naquele sonho:
era noite quando uma jovem moça
perguntava-me as horas. Eu lhe disse:
"Não sei não, senhorita, mas é tarde;
não há ninguém na rua, não há nada".
Ela, então, deu um tiro na cabeça.

Era noite de novo; na cabeça
a sensação de estar vivendo um sonho
como se caminhasse sobre o nada.
Chegou-se a mim aquela jovem moça:
"Morri, ressuscitei; é muito tarde.
Mate-me agora mesmo!", ela disse.

Era de noite quando alguém me disse:
"Veja só, estourei minha cabeça
e não posso emendá-la, pois é tarde!",
e tudo se passava como num sonho.
Diante de mim, aquela jovem moça
estava morta; não dizia nada.

De noite outra vez, não se via nada.
Do escuro, soou uma voz que disse:
"Não se esqueça daquela jovem moça
que levou um balaço na cabeça!".
Lembrei-me vagamente de algum sonho,
mas não pude retê-lo. Era tarde.

De noite. Muito escuro. Muito tarde.
Já não me lembro mais de quase nada
e vejo as coisas turvas, feito um sonho.
Só sei que certa vez alguém me disse:
"Cuidado! Não atire na cabeça!".
No chão, jaz o cadáver de uma moça.

Percebo-me: sou uma jovem moça
andando por aí -- tarde, bem tarde.
Estou morta e não tenho mais cabeça;
nas mãos, trago um revólver e mais nada.
"Não há ninguém na rua", alguém me disse.
Não sei se sou real nem sei se sonho.

É sempre o mesmo sonho, a mesma moça,
algo que alguém me disse muito tarde,
um tiro e só. Mais nada na cabeça.

Emmanuel Santiago. Pavão bizarro. São Paulo: Patuá, 2014, p.67-68
SANTA CLARA


Eis aquela que parou em frente
Das altas noites puras e suspensas.

Eis aquela que soube na paisagem
Adivinhar a unidade prometida:
Coração atento ao rosto das imagens,
Face erguida,
Vontade transparente
Inteira onde os outros se dividem.

Sophia de Mello Breyner Andresen. Poemas escolhidos. São Paulo: Cia das Letras, 2004, p.102