sexta-feira, 27 de março de 2015

Convidado pelo poeta Carlos Machadohttp://www.algumapoesia.com.br/ - para participar do livro Outras ruminações - 75 poetas e a poesia de Donizete Galvão (http://www.portaleditora.com.br/), escrevi o poema "Almofariz", partindo do poema de Donizete Galvão (1955-2014). Para saber mais sobre o poeta mineiro, visite a bela e amorosa página, que seu amigo, Carlos Machado, preparou. Aqui: http://www.algumapoesia.com.br/poesia3/poesianet302.htm Descanse em paz, Doni.

O poema de Donizete:

MÃO DE PILÃO

entre o ar
          e a dureza
do cedro
no ir
       e vir
metódico
matemático
martelado,
anos e anos
em deslize
pelos dedos
dão à mão
de pilão
uma pele lisa
               madura
               lustrosa
             
               instrumento
               que esfarela
               o grão
               e caleja
               a palma

Mundo mudo. São Paulo: Nankin, 2003.




ALMOFARIZ


Antes das horas gastas na feitura,
antes que as mãos suem seu sal, cansaço,
com o suor caírem silêncios, fúrias
– medite a luz a dilatar seu facho

feito raiz na escuridão aguda
do que será minério, veio árduo,
na terra onde cavamos nossas dúvidas;
perceba: qualquer menos e é fracasso,

um sim a mais expõe nossa penúria,
expõe: antes de ser não ser é fato.
E, na cozinha, minha mãe tritura 
tempo sem par no almofariz de aço.  

Outras ruminações – 75 poetas e a poesia de Donizete Galvão. São Paulo: Dobra Literatura, 2014, p.36


  

quinta-feira, 26 de março de 2015

Os três poemas abaixo, do livro inédito Sob o Cruzeiro do Sul, foram publicados por L. C. Pina de Bragança, na revista Andirá Empreendedora.

ADÉLIA DE CASTRO,
NA IGREJA DA GRAÇA 


“Aprendi a esperar algumas coisas:
amigos, certos livros, boas chuvas,
a luz dentro do tempo nas manhãs,
o seu corpo sonhando no meu colo,
os versos invisíveis mais à mão,
a passagem das horas descabidas
em que as harpias seculares guincham
meu nome de batismo como cúmplice.
Aos pés da espera, sentam-se as idades
e a paciência é fruto de outra espera,
tendo o silêncio como ouvinte único.
E cai o gota a gota dos segundos
no olho do real com mais doçura
e entendo que esperar sustenta o mundo.”  




NA IGREJA DE NOSSA SENHORA
DO MONTE SERRAT
Para Claudio Sousa Pereira 


Molda meu coração, barro insubmisso.
Por mais que se ofereça é sempre fúria,
pois há sombrios poços que diviso
à beira de mim mesmo, nas funduras.

Molda meu coração, ex-pedregulho,
que percorreu parábolas insanas,
atirando-se contra os próprios urros,
abrindo abismos dentro da garganta.

Molda meu coração, argila impura,
com Tuas mãos de luz em vaso d’água,
e aprendo a servir feito quem desfruta
um sopro de esperança que se alarga. 
  



MARLY DE OLIVEIRA EM BUENOS AIRES
Para Person Ramos Araújo 


“O mundo é sempre o mundo sem conserto.
Desejar consertá-lo é destruí-lo;
nada de reinvenções ou novos eixos,
aquele que o persegue é o perseguido.

O mundo é necessário com seus erros
e vale como vale o ser mais ínfimo;
os segundos respiram rarefeitos,
queimam de gratidão os seus resíduos.

O mundo além do mundo, num folheto,
grava todos os gestos no seu índice;
nada desaparece – vento ou seixo.
Veja-o como ele o vê: espanto vivo.”