quarta-feira, 27 de junho de 2012

Depois de contatos e indicações suas onde encontrar as Ediciones del Copista em Buenos Aires, o poeta, ensaísta e tradutor argentino Pablo Anadón gentilmente me enviou o seu Estudios de la luz (2005-2007), Editorial Pre-Textos, Colección La Cruz del Sur, 2010. Trechos da orelha: Pablo Anadón nasceu em Villa Dolores (Córdoba, Argentina), em 1963. Publicou de poesia Poemas (Colmegna, Santa Fe, 1979); Estaciones del árbol (Il Nuovo, Vecchio Stil, Córdoba, 1990, traduzido paro o italiano por Oreste Macrì); El trabajo de las horas (Ediciones del Copista, Córdoba, 2006), entre outros títulos. É autor de inúmeros ensaios sobre poesia e de antologias críticas, entre elas El astro disperso/Últimas transformaciones de la poesia en Italia/1971-2001 (Ediciones del Copista, Córdoba, 2001, Prêmio de Tradução do Governo da Itália). Tem publicado em livros, jornais e revistas suas traduções de Dante Alighieri, Guido Gozzano, Giuseppe Ungaretti, Vittorio Sereni, Alfonso Gatto, Mario Luzi, Giorgio Caproni, Cesare Pavese, Wallace Stevens, Robert Frost, W. S. Merwin, Boris Pasternak, entre outros autores. O seu blog é http://eltrabajodelashoras.blogspot.com.br/ Abaixo três poemas dele que traduzi. 
   

PELA JANELA

A vida nos dá, às vezes, demasiada
Felicidade. Por acaso, esta manhã
(Punho com mão há anos tão fechada )
Que abre sua palma à luz da lonjura):

Felicidade feita, sim, de quase nada,
Desse sol sobre as árvores, da vã
Sombra de fumo do cachimbo e a azulada
Serrania que a janela emoldura...

Aqui eu sou o de sempre, pouca coisa  
Que transfigura às vezes a poesia.
Aquele que olha transcorrer a prosa

Do seu desassossego noite e dia,
Observa a aurora da janela, a rosa
Que tinge o mundo e chora de alegria.



POR LA VENTANA

Nos da la vida, a veces, demasiada
Felicidad. Por acaso, esta mañana
(Mano en puño por años apretada
Que abre su palma hacia la luz lejana):

Felicidad hecha de casi nada,
De sol sobre los árboles, de vana
Sombra de humo de pipa y azulada
Serrania que enmarca la ventana...

Yo aqui soy el de siempre, poca cosa
Que transfigura a veces la poesia.
Soy el que mira transcurir la prosa

De su desasosiego noche y día
Y un alba observa por el vidrio el rosa
Que tiñe el mundo y llora de alegria. 



A CASA

Eu já tive uma casa,
Uma mulher amada e também filhos,
O pátio com o seu céu e com seus pássaros
Habituais, ameixas e um fícus.

Eu já tive uma casa
Onde passar as noites invernais
Junto ao fogo, lendo, com Arintha,
A dálmata, estendida ante meus pés.

Eu sei que nessa casa
Fui feliz, como pode ser um homem
Que viveu espreitando sempre a frincha

Do seu desassossego. E bem de fora
Olho agora as janelas, e essa porta
Que cindiu minha vida em dois pedaços. 


LA CASA

Yo he tenido una casa,
Una mujer amada y unos hijos,
El patio con su cielo, con los pájaros
Habituales, ciruelos y liquidámbar.

Yo he tenido una casa
Donde pasar las noches del invierno
Junto al fuego, leyendo, con Arintha,
La dálmata, tendida ante mis pies.

Yo sé que en esa casa
Fui feliz, como puede serlo un hombre
Que ha vivido asomado siempre al vidrio

De su desasosiego. Miro ahora
De afuera las ventanas, y esa puerta
Que dividió mi vida en dos mitades.

ENVIO

Porque não posso ver-te, nem escutar-te,
E sozinho na noite, junto ao fogo,
Te estranho, assim te escrevo, como um rogo
A um deus ausente, ou um poema sem arte.

As palavras não podem alcançar-te,
Porém simulo um silencioso jogo
Onde aquilo que não digo, devolvo e
Te acaricio em sonhos, sem roçar-te.   

Minha vida: poesia, fogo inverso
Retornando a fumaça para a chama
E a chama ao seu lenho e a sua folhagem,

Pois voa ao seu ouvido e diz que a ama
O homem solitário que na densa
Noite abraça em sua ausência o universo.


ENVÍO


Porque no puedo verte, ni escucharte,
Y a solas en la noche, junto al fuego,
Te extraño, es que te escribo, como un ruego
A un dios ausente, o un poema sin arte.

Las palabras no pueden alcanzarte
Pero simulo un silencioso juego
Donde lo que no digo te lo entrego
Y te acaricio en sueños, sin rozarte.

Poesía, mi vida, fuego inverso
Que devuelves el humo hacia la llama
Y la llama a su lenõ y a su fronda,

Vuela a su oído y dile que la ama
El hombre solitário que en la honda
Noche abraza en su ausência el universo.





domingo, 24 de junho de 2012

O poeta, tradutor e ensaísta Esteban Nicotra nasceu em Villa Dolores, Córdoba, Argentina, em 1962. Como poeta publicou La vida que se vive (Editorial Brujas, Córdoba, 2006); é intenso tradutor do italiano, dentre elas: Gente di corsa (Garzanti, Milano, 2000) do poeta Tiziano Rossi; Empirismo herético, de Pier Paolo Pasolini; Por un segundo o un siglo (Editorial Brujas, Córdoba, 2003), de Maurizio Cucchi. Livros que ele me enviou em pdf. Traduziu também poemas e prosas de outros autores italianos: Pavese, Sbarbaro, Luzi, Saba, Conte etc. Abaixo três poemas dele que traduzi.  



ERA A AGONIA

Era a agonia, dor retesada
entre uma febre que devora
e a água de uns olhos
que pediam vida.

(Tudo seria mais fácil
se houvesse um culpado.
Já vejo brilhar a mirada
das caras de madeira oca
sob a altas catedrais com suas cruzes de ferro.)

O lugar que habitavas
está vazio,
e teus gestos são de ar...


ERA LA AGONIA

Era la agonía, el dolor tensado
entre una fiebre que devora
y el agua de unos ojos
que pedían la vida.

(Todo sería más fácil
si hubiera un culpable.
Ya veo brillar la mirada
de los rostros de madera hueca
bajo las altas catedrales con sus cruces de hierro.)

El rincón que habitabas
está vacío,
tus gestos son del aire...



MORTOS DO MAR


Agora entendes a velha súplica.
Pela mão vão os dedos
como uma procissão
dos teus mortos.
De nada vale buscar com a fronte
o oásis do muro.
És um ser de pedra;
a carne cada vez mais
se parece com os ossos.
Há uma vida esquecida
detrás do mais duro,
e uma morte guardada em nossos corpos.
Lá fora o vento vai deixando
as pegadas da vida,
e distante é o amor da árvore com a nuvem
— a ramagem se alonga,
mas as formas brancas fogem.
Na sombra
pulsa o peito de adormecidas pombas.
Porém não há sangue,
não há fogo
somente o ondular lânguido
de corpos nus, quase algas,
entre os lençóis líquidos.  
Rostos cinzentos congelam
com os olhos abertos
sob as ondas verdes.
A noite, porém, está incrivelmente pura...

1982


MUERTOS DEL MAR


Ahora comprendes la vieja plegaria.
Ahí van por la mano los dedos
como una procesión
de tus muertos.
De nada vale buscar con la frente
el oasis del muro.
Eres un ser de piedra;
la carne cada vez más
se parece a los huesos.
Hay una vida olvidada
detrás de lo más duro,
y una muerte encerrada en nuestros cuerpos.
Afuera el viento va dejando
las huellas de la vida
y es lejano el amor del árbol con la nube
–las ramas se extienden
pero las formas blancas huyen.
En la sombra
late el pecho de dormidas palomas.
Pero no hay sangre,
no hay fuego,
sino el ondular lánguido
de cuerpos desnudos, casi algas,
entre las sábanas de agua.
Rostros cenicientos se hielan
con los ojos abiertos
bajo las olas verdes.
Y la noche está increíblemente pura...

1982


NOITE SONÂMBULA


Cidade abandonada
no ar do verão.
Irreal é tua vida,
caminhando e caminhando
como aquele espectro de Bradbury,
teu mistério bebido
nesta noite sonâmbula.
Pisam teus pés as nódoas do dia,
as luzes insones velam seus nichos,
aquela, rubra, torna outonal certa folhagem.
Como um sonho
passa um sopro de terra viva,
porém, no asfalto, o silêncio pesa
e um rumor de néon
vigia este deserto de ninguém.
Em um país que conheceu o crime,
Édipo cego, mendigo inerme,
absorto caminha agarrado ao teu pífaro,  
até o final das ruas,
até onde verte o horizonte
o leite débil da madrugada.  



NOCHE SONÂMBULA


Ciudad abandonada
en el aire del verano.
Irreal es tu vida,
caminando sólo caminando,
como aquel espectro de Bradbury,
bebes su secreto
en esta noche sonámbula.
Pisan tus pies las manchas del día,
velan sus nichos las luces insomnes,
alguna, roja, vuelve otoñal un follaje.
Como un sueño
pasa un soplo de tierra viva,
pero pesa el silencio en el asfalto
y un rumor de neón
vigila este desierto de nadie.
En un país que ha conocido el crimen,
Edipo cegado, mendigo inerme,
caminas absorto aferrado a tu flauta de caña,
hasta el final de las calles,
hasta donde vuelca el horizonte
la leche tibia de la madrugada.

 

terça-feira, 19 de junho de 2012

"Japão de esconderijos"
Állex Leilla




O tempo todo
            toda a manhã
as sombras todas
            harpas  tecido    corações.
Os medos todos
            lenços  meias  divãs
os frascos todos
            a tarde mumificada   o frescor.
Os vidros todos
            cadeiras fitas nylon
os anéis todos
            começos  céus   violões   a cor.
Os não-prazeres todos
            clareza  fugacidade  sabor.
Os repentes todos
            arcas corações  o que já passou.
Essas manhãs
            e outras manhãs.

Állex Leilla




***




Amormeu, mar absoluto,
dos fios dos teus cabelos que ficaram pela casa
preciso, cautelosa, construir outra manhã.
[...]


Te falo as coisas mais claras quando a luz do sol falta.
Te falo as coisas mais duras quando a claridade a tudo recobriu.
Amormeu, tempestade absoluta,
não pedi aos céus que viesses, não pedirei que fiques.
O mundo me acostumou a coisas grandes:
mares sem porto, felicidades maceradas,
roupa limpa no varal.
Nunca, jamais fui pouca
no centro da vida de todos os meus amores, os outros.
E assim acostumada a ser o muito e o tudo
derrapo miúda na manhã em que percebo:
sobrará quase nada de mim no depois.
[...]
Állex Leilla

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Poemas do meu amigo Alex Simões. O último poema deste post "Luar no feicibuque" é um presente de Alex Simões para este blog. O poeta por ele mesmo:

Alex Simões (às vezes alexsim) é poeta bissexto, sonetista aspirante a livre-versejador e militante, ao seu modo, de causas perdidas no tempo. Também é mestre em Letras, professor autônomo de Português (para estrangeiros e para brasileiros, atuando em projetos de formação de professores, secretário executivo da Sociedade Internacional de Português Língua Estrangeira), revisor de textos. Tem alguns poemas publicados em coletâneas (Poesia Sempre, Iararana, entre outras) e na Internet www.verbo21.com.br, entre outros. Tem também alguns poemas musicados por Álvaro Lemos. Não publicou nenhum livro (tem um inédito, chamado "Estudos para Lira", que recebeu uma  menção no Prêmio Copene), nem criou um blog com seus textos, mas pensa em fazer isto e aquilo um dia, quem sabe.

Os poemas:

ESTES, OS MOTIVOS


doem-me os ombros, tantos são os pesos,
línguas mortas e vivas misturadas,
a plêiade no peito embaralhada,
os esquecidos como contrapeso.

mil vozes confundidas no desejo
de ter consigo a minha entrelaçada.
o medo de parar na encruzilhada
entre rimas, ideias e solfejos.

a folha em branco amarelada está
(há sempre um risco de perder-se). há
sempre um mesmo fantasma em breve assomo:

o mundo derretendo-se em milênios,
poetas trôpegos, prestos boêmios,
eu e você cantando velhos nomos.


SOBRE MORRER
Para Nilo Alcântara, in memoriam


quem deu um tiro em tua nuca
e te amarrou os pés, te pôs
num saco sob a terra, pois,
deve ter mais fundida a cuca

quanto fundida a minha está
quem põe os rótulos, quem diz
como se deve ser feliz
o que será e não será

vem do poder que alguns arrotam
a língua o sexo a cor a classe
saber de quem olhar a face
temer objetos que nos cortam

lições que as ruas pedagógicas
nos dão em doses alopáticas
da morte surge a matemática
dispondo os corpos noutra lógica

horizontal te vejo eterno
retorno ao pó (quem dele escapa?),
a vida a gente assim solapa
eliminando os rostos ternos

vai-se o caixão, ficam meus dedos
atravancados nesta terra
quem ama mata morre berra
aprende ama o próprio medo

neste vazio em que ora habitas
uma canção, teu manifesto,
loas à tez, à mais bonita,
deuses de Ébano te empresto

that Black is beautiful, my Lord
embora em línguas de outras gentes,
façamos nossos os acordes
que dizem mais sobre viventes


MOVIMENTO AVESSO


preciso de viver com mais vontade,
embora essa preguiça que ora ostento
reflita o meu caminho contra o vento
num movimento avesso ao da cidade.

cioso desta desindentidade,
lanço meu corpo em muros de cimento,
atiro-me ao asfalto e o sentimento
se perde por detrás de imensas grades.

o coração perplexo e irresoluto
— essa esfinge que dentro do meu peito
declara para todo sempre um luto —

redime e ameaça a minha garganta:
“àqueles que não vão pelo direito,
resta entoar o que esse avesso canta”.



DE PERGUNTAS E POETAS
(a Marcus Vinícius e Állex Leilla)


não se pergunta nada a um poeta
que é por definição das Evasivas
amigo, assim como Musas e Divas
lhe rodeiam a cabeceira, cometas.

com um poeta nunca se intrometa
que a sua cabeça à beça a si se esquiva
e no esquivar-se iguala-se a sua Diva
e fica mal ferir a quem com sua seta

fere, mas só com amor e com rodeios.
e nisto é que consiste o não indagar
àquele que ignora qualquer freio

ou direção, não tente lhe roubar
porque ele vem vazio, quem mesmo sabe
por que será que nele tudo cabe?


LUAR NO FEICIBUQUE



eu vi a lua e toda ela estava
assim vermelha e amarela e branca
como convém olhar a uma distância
que, à linha do horizonte, a estrela dava

a direção e a cor: não do planeta,
nem a estrela dalva uma cantora
de "quem mora na lua", mas pletora
de luz que vem do astro-rei, projeta

a lua que tem sempre as mesmas cores
e suas canções vezeiras, suas pobres
rimas cheias de hiatos alteados.

noutra noite de lua, a novidade
foi vê-la no meu feicibuque e, ao lado
da montra, a mesma lua, noutras cidades.