domingo, 29 de julho de 2012

Hoje, no Globo, um textinho nosco: http://extra.globo.com/tv-e-lazer/sobre-marcas-herancas-dos-falares-de-jorge-amado-5618291.html

SOBRE MARCAS E HERANÇAS DOS FALARES DE JORGE AMADO

RIO - Em clave negativa, e historicamente inegável, pesam sobre Jorge Amado, homem e obra, dois fardos: de um lado o mito da baianidade festeira e sexualizada ao extremo, de suas Gabrielas e Tietas e seus respectivos garanhões, da malandragem determinista, da afamada preguiça, exageros que têm motivado as leituras mais equivocadas sobre o povo baiano; do outro, a pena vendida a um dos mais sanguinários ditadores do século XX, Stálin, para quem escreveu o livro, quase uma ode, “O mundo da paz”. Esta é a parte do legado a não ser seguida.
Contudo, uma das maiores contribuições de Jorge Amado para mais de uma geração de escritores, direta ou indiretamente, é a linguagem despojada, próxima ao registro popular do falar baiano. Aponto isso como conquista estilística que se integrou ao acervo da língua literária escrita no Brasil. Se outros escritores, em suas respectivas regiões, a partir da década de 1930, sob a bandeira do regionalismo, seguiram o mesmo filão, Jorge Amado, por sua vez, consegue o feito de falar ao mundo a partir também do exotismo de uma localidade, e não circunscrevê-la somente.
Necessário apontar o ganho linguístico do romancista baiano porque é fácil negá-lo depois de ter sido alcançado, pois quantos não o utilizam crendo que tal feito nasceu por combustão espontânea, sem que ninguém num primeiro momento tenha se esforçado para realizá-lo. Ignorar esse mérito é ignorar o desenvolvimento da língua literária no Brasil no século XX. Do mesmo modo, muitos dos que escrevem hoje desdenham autores, para ficarmos nos poetas, como Tomás Antônio Gonzaga, Gonçalves Dias, Olavo Bilac, Alphonsus de Guimaraens, por considerá-los, do alto de suas ignorâncias, ultrapassados. Por mais que maneje outros idiomas, a influência profunda que marca o estilo de um autor provém dos seus antecessores em sua própria língua. E não teríamos a complexidade da linguagem literária hoje sem o esforço e talento de toda uma tradição — pequena, é verdade, mas nossa.
Jorge Amado deu não apenas rosto, mas corpo romanesco à Bahia. Temos atualmente várias outras realidades passíveis de serem capturadas pela literatura. Mas aquele mundo por ele criado existe, com os seus personagens e tramas picarescas, sua malícia quantas vezes romantizada, mas também esclarecedora do nosso caráter. O candidato ou jovem escritor que desejar conhecer o retrato da Bahia no tempo terá impreterivelmente que ler o autor de “A morte e a morte de Quincas Berro d’Água” — considerado por muitos a sua obra-prima.

quarta-feira, 25 de julho de 2012


José Luís Salles Franco (1960-2012)

I

Migram as aves ao sentirem frio
Migram os homens ao sentirem-se sós
Migram as árvores para outra vida

As folhas, as flores, os frutos.
Mundos se liquefazem
E as águas semeiam solidões.

O lago, o rio, o mar, o oceano.
O humano e seus desvios –
O avesso do tempo,
a finitude do voo.

As constelações: as infinitas distâncias
A saudade a evocar gestos, rostos,
ruas, passos, beijos, barcos,
a esquecida infância.

II

Tudo soa falso
As palavras,
O silêncio de Beethoven,
As valsas de Strauss.

A dança das vozes rodopia
Os fantasmas, mais uma vez, se cumprimentam.
A infância desaparece no oco da casa.
O tempo fecha portas e janelas.

Não há mais como voltar.
A fotografia nos eterniza para a morte.
Os moinhos não são de vento.

O jogo de amarelinha,
Os caminhos que se bifurcam.
Nada nem ninguém nos salva.

III

Um monstro me habita,
de muitas faces
e múltiplos disfarces.

Nada me salva da sua voracidade
Rasga-me entre dentes
A febre das palavras.

Os desvios do outro:
o estranho Hyde a me mirar.
............................................
Palavras nos sentenciam.

Falso ou verdadeiro,
nenhuma das alternativas.
O monstro me devora,
O labirinto é infinito.


Lírico I

Cidades desaparecem na íris de minhas retinas fatigadas
O cupim tempo, pouco a pouco, as apaga
Ninguém mais recorda a velha topografia
marcas inseridas no corpo e traídas ao dobrar esquinas.

Com qual medusa me deparo? Petrificado desapareço.
Perco-me nos subterrâneos esquecidos,
sem vias de acesso, os passos não deixam rastros.

Quais fantasmas assistem à última sessão nas ruínas da infância?
Grafito no branco das paredes uma gramática que se desmancha.

No alto do sobrado as lembranças de donzelas
A cidade é de pedra, dizia o cego a seu filho.
A força da grana que ergue e destrói coisas belas.
De noite eu rondo a cidade a nos procurar

Canções que ecoam.

Lírico II

Eu, blade runner, já não capturo andróides
Caço alguém que nunca encontro
Na maré do congestionamento
Miríades de imagens nos atravessam
Corporificadas em pedra e aço
Memórias se transformam em ruínas

Nada permanece
Esta é a cidade do esquecimento
Mesmo assim, recordo
Subtraio uma partícula do tempo
Que a todo instante retorna
Um déjà vu jamais revelado

Uma tatuagem se rasga e sangra
Não há rotas a serem seguidas
Stop uma estação go do inferno
Atropelamento e fuga
Nenhuma cidade nos espera

***

A Cidade é uma máscara mortuária
Repleta de janelas cheias de solidão
Ninguém habita o poeta

Nem o cacto, nem o bicho, nem o homem

A eternidade o assalta: o mundo o chama
O firmamento é inútil
As ruínas apagam os passos de quem por elas passou
Nenhum verso salva o poeta.

Coité, 30.05.12, durante a exibição de O poeta do castelo, de Joaquim Pedro de Andrade.




segunda-feira, 16 de julho de 2012




Para o encontro Fazer Ficção na Bahia, estarão presentes ÁLLEX LEILLA (autora de romances, contos e novelas, doutora em Literatura, professora da Universidade Estadual de Feira de Santana, participa da antologia 25 Mulheres que Estão Fazendo a Nova Literatura Brasileira, publicada em 2004 pela Editora Record), Laura Castro (premiada com a bolsa Funarte de criação literária, transformou textos publicados em blog no livroCabidela: Bloco de Notas, lançado ano passado), Mariana Paiva (também jornalista e mestranda em Cultura e Sociedade, lançou seu primeiro livro, Barroca, de crônicas poéticas, em 2011) e Tom Correia (reconhecido ficcionista, autor de livros como Sob um Céu de Gris Profundo, editado com apoio de edital da Fundação Pedro Calmon, vinculada à Secretaria de Cultura do Estado da Bahia), mediados por Luciene Azevedo, doutora em Literatura Comparada, professora do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, pesquisadora de prosa literária latino-americana a partir dos anos 1990.