quinta-feira, 30 de junho de 2016
quarta-feira, 29 de junho de 2016
terça-feira, 21 de junho de 2016
sexta-feira, 10 de junho de 2016
MINHA
PALAVRA
Se
lugar de nascimento é destino, ao nascermos na mesma cidade, parece que estávamos
amorosamente destinados um ao outro. Mais: a música do nosso primeiro cenário é
um desenho melódico de duas ruas de nossa infância – Francisco Magalhães e
Castro Alves; esta é travessa daquela. Alessandra é três anos mais velha, passou
parte de sua meninice na Francisco Magalhães. Minha primeira lembrança de estar
no mundo foi na Castro Alves. No semiárido do médio São Francisco, naquela
cidade do interior da Bahia. Costumo dizer que houve uma canção das ruas antes
de nos encontrarmos.
E
nos encontramos algumas décadas depois. Mais precisamente numa noite de abril,
de 2006. Um sábado. Sim, me lembro; um amor assim traz em sua túnica fios de
eternidade. Alessandra é uma presença. Se ela não estiver por perto, o mundo
fica um pouco mais errado.
Quis
captá-la através de versos. Vagueei em torno do objeto sem conseguir capturá-lo.
Foram e são várias tentativas de poemas. É o sorriso? E que lume despertando em
mim o menino mais antigo. É um jeito de olhar que só eu sei? E que acolhimento
para as minhas dores e indecisões. É aquele tom de voz que me faz gargalhar? A
luz do rosto confirmando a vida? O corpo refugiando o outro? Quando a mulher que
amamos se entrega... Ah, meu caro, se não sabe, procure adivinhar. O gozo do
corpo é também um tipo de milagre.
Nos
desentendemos? Claro. Brigamos? É óbvio. Embora poucas, essas desavenças são
uma angústia para mim. Verdadeiro desamparo. Não consigo me apaziguar se não
retornar à velha harmonia. Aquela comunhão silenciosa da presença. O fato
incontornável é amar Alessandra inteiramente. Não importam circunstâncias ou
acontecimentos.
Em 1997, eu estava no lançamento de Urbanos, seu primeiro livro, de contos,
vencedor de prêmio. Sou fã antes de nos conhecermos pessoalmente, porque
Alessandra foi meu primeiro modelo literário. Um tipo de norte que eu
acompanhava, de longe, bem longe, Bom Jesus da Lapa. Lá, um amigo me emprestou
seu segundo livro de contos – Obscuros.
Seu primeiro romance – Henrique – li
sofregamente; quando ela esteve na cidade para o lançamento, eu não tive condições
de comparecer, mas pedi à minha ex-mulher que comprasse e pedisse um autógrafo
à autora. Acompanhei entrevistas, textos em jornais, de longe mapeava seus
passos. Na foto numa matéria de jornal, vi quando ela cortou o cabelo curtinho.
A força, a coragem, a beleza de sua escrita, sua postura diante da arte
literária sempre foi um exemplo a ser seguido. As poucas vezes que nos
deparamos antes do Encontro (com maiúscula porque foi evento de altíssima
gravidade), eu a olhava admirado e besta. Uma vez, na década de 1990, numa
palestra na biblioteca central da UFBA, eu fui só com o intuito de vê-la. Sentei-me
num lugar estratégico e a fiquei procurando. Soube, também através de jornais,
quando ela foi fazer o doutorado em Belo Horizonte. Nos outros livros, já estávamos
juntos, lemos na cama o original de O sol
que a chuva apagou; gritamos em uníssono ao sabermos do prêmio conquistado
por seu romance Primavera nos ossos. Quando
ela ganhou um prêmio por seu conto “Felicidade não se conta”, que está em Chuva secreta, rimos em parceria de uma
foto que ela teve que tirar segurando um cheque gigante, tipo Porta da
Esperança, de Sílvio Santos.
Uma vez, já morando juntos, eu
escrevendo no micro, e como sempre, absorvido feito um lunático, ela me disse: “–
Está trabalhando, meu amor?” Entrei em outra dimensão. Ah, meu caro, você pode
achar isso excessivo, que exagero, tempestade numa gota, mas ninguém nunca
havia levado em consideração que aquela entrega à escrita fosse um trabalho. E
a escrita, para dizer com Drummond, é toda a minha vida que joguei. Disfarcei
uma lágrima, e respondi, numa felicidade imensa, que sim, estava trabalhando. Ela
me ajudou a aceitar o poeta que eu sou.
Num fevereiro, dia do meu
aniversário, ela combinou com nosso amigo Kiko Lisboa, e este, com a cara mais
lavada, me pediu, à noite, para ir com ele pegar um computador. Onde? Nordeste
de Amaralina. Fazer o quê? Fui. Mas fui a contragosto. Kiko, lapense ele também,
possui esses rompantes, daí eu não ter estranhado tanto. Logo no dia dos meus
anos? Ele me segurou por lá. Na volta, ao entrar em casa – uma festa surpresa
para mim. Pense num contentamento? Pensou? Foi maior. Sim, adoro comemorar
aniversário.
Quando descubro um poeta que eu não
conhecia, displicentemente deixo o livro em algum lugar visível da casa para
que ela pegue e leia. Torço para que goste dos poetas que admiro. Faço de conta
que não estou interessado, mas basta ela falar que minha atenção se concentra
inteira em suas impressões críticas sobre o livro em questão.
Ah,
meu caro, você não faz ideia da alegria que me tomou ao perceber que ela
percebia o que eu percebera no universo da literatura. Não tentarei explicar,
mas... Ao ler determinado autor, ela exclama: “– Ele sabe!” Como se diz hoje: entendedores
entenderão. Conhece aquele instante que parece que o tempo foi suspendido, e o
véu da vida foi levantado e as coisas se tornam mais reais? Se não conhece,
deveria. Pois é. Quando aconteceu, percebemos isso um no outro.
Nas alegrias profundas ou decepções
tremendas, Alessandra é sempre a primeira pessoa que me vem à cabeça. Sinto
necessidade de dividir com ela o que acabo sabendo. Por isso, meu caro, cuidado
ao me contar segredos. É contar para os dois.
Em
inúmeros momentos, nesses dez anos de convivência, me pego novamente apaixonado.
Até hoje me espanto e digo cá com meus botões joãoninos: “– Caramba! Estou
casado com Állex Leilla.” É feito as manhãs: nascem todos os dias e são sempre
originais. Apesar da sentença de mestre Bandeira no poema “Arte de amar”, tenho
a nítida sensação de que aquela melodia das ruas era e é uma melodia de almas.
Alessandra
é minha palavra.
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