domingo, 28 de agosto de 2016

CARTA A CARPEAUX NUM BICO DE TUIM



Otto, vai por mim: 
pena aqui não paga
se não for de tuim.
Certo é que era o Braga

em Copa, ou na vaga
de Itapemirim...
Pena aqui não paga:
não és benjamim.

Aqui, só a inveja,
só ela é sistemática.
Certo é que era o Braga,
Otto: ai de ti!

Vão de lauda em lauda,
vão tintim por tintim:
a cinza enfim purgada
em pira de pasquim.

Pena aqui não paga:
não és – é Benjamin!
Faz-se um ora-veja:
Otto plagiava!

Plagiava? Sim,
vá lá que seja...
Mas, o que mais peja
é tanto bem-haja.


sábado, 27 de agosto de 2016

Do livro inédito Auto da Romaria:

CANÇÃO DAS COISAS ACONTECIDAS
No Bar Canoas


Saber que não se desfaz,
machuca do mesmo jeito,
a dor de saber não vai
curar a dor de ter feito.

Fotografias sem nome, a
moça nos olha de lado,
como quem diz que o seu onde
é um presente parado.

Mas embriagada de luz,
a moça não desconfia
que a vida à vida seduz,
além das fotografias.

As coisas acontecidas
não desacontecerão,
pois sabe a moça que a vida
é vida mesmo que não. 

domingo, 21 de agosto de 2016

AFFONSO MANTA FALA A
ALBERTO LUIZ BARAÚNA
Para a professora Ligia Teles
  

Caminhando seremos. Ser é caminhar
– em viagens imóveis, cordilheiras,
todas as vidas são vidas inteiras,
que escapam sem regresso pelo ar.

Porque nasceram para isso: retornar.
Sigamos. Cada passo é um passo à beira
do que nos funda e finda de primeira
– as praias desvendadas pelo mar.

Esperando seremos. Ser é esperar:
nos vagões que nos restam de terceira,
no fluxo dessas noites passageiras,
insones e cansadas de passar.


quinta-feira, 18 de agosto de 2016



ANTOLOGIA
  

Poucos poemas nos ajudam a viver,
são claros como o rosto que amamos.
Não pedem nada, só esperam ser achados.
Em silêncio, o pequeno sol de suas mãos
vem nos amparar feito uma pessoa.
Talvez nem mereçamos o seu lume
na rigidez sem fé de nossos dias.
Estão, ali, na página como no ser.
Menos que um salmo e mais do que qualquer poética,
esses poemas nos ajudam a morrer.


segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Poema do livro inédito Auto da Romaria

A PEDRA QUE SOA


Depois do Cruzeiro,
a pedra que soa,
e soa o destino
de qualquer pessoa.

Quem bate, quem bate,
e quem vem bater?
O medo que dá
é não responder.

Mas crendo ou não crendo,
esperam um sim,
se a pedra se cala...
vislumbres do fim.

Subir para ouvir
(na árdua subida
perigos de quedas)
o sino da vida.

Quem escutará
– silêncio da sorte –
a pedra cifrar
sua própria morte?

E sobem e sobem
no tempo, no morro,
todas as idades
procuram socorro. 

E batem e batem
na rocha cansada,
já gasta de anos
foi humanizada.

Sibila de pedra
só diz sim ou não.
Soa dos dois lados
do meu coração.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A Romaria de Bom Jesus da Lapa, interior da Bahia, minha cidade natal, acontece há exatamente 365 anos. O poema abaixo faz parte do livro inédito Auto da Romaria:

6 DE AGOSTO
Para Person Ramos de Araújo

Não repare no caudal
que transborda de outras épocas,
nas multidões que deslizam,
misturando tantas cepas,
que acompanham o andor
em romaria sem pressa.

Não ouça o coro de vozes:
rogo, súplicas, lamentos,
murmúrio só confessado
nesses corações adentro  
– luxúria, orgulho, inveja,
pecados envelhecendo.

Não repare os pés descalços,
penitências, sacrifícios,
o corpo vencido em lágrimas,
o sofrimento castiço,
a devoção sem palavras,
não repare em nada disso.

Mas guarde um quadro completo
do caudal sem calendário,
apesar do mês de agosto
ter o seu dia esperado.
Quem espera sempre alcança,
verá que não mente o adágio.

Mais do que os olhos levante
seu espírito bem alto,
acima desses rumores,
de tudo que for boato,
do que é matéria palpável,
mas está além do tato.

Movido por esse olhar,
acima do andor repare,
enquanto o caudal se escoa
pelas ruas da cidade
– se o tempo fica suspenso,
o espaço também se abre:

agora, tudo é silêncio,
conexão de contrários,
parte do céu se derrama,
da terra sobe uma parte,
pela coluna que ata
nesse momento os cenários.