segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Dois sonetos de Antonio Machado traduzidos. 

CLXV

I

Teve meu coração encruzilhada
de cem caminhos, todos passageiros,
estrangeiro sem data nem pousada
como estação ruidosa de viageiros;

que fez aos quatro ventos a jornada,
disperso coração por cem sendeiros
de terra plana ou pedra aborrascada,
largada sorte em mar de mil veleiros.

Enxame que hoje retorna a colmeia
quando o bando de corvos enrouquece
buscando sua penha denegrida,

volta meu coração a sua faina
com néctares do campo que floresce
no luto dessa tarde desabrida.


IV

Esta luz de Sevilha... É o palácio
onde eu nasci, com seu rumor de fonte.
Meu pai, em seu despacho. — A alta fronte,
a breve mosca, seu bigode lasso —.

Ainda jovem. Lê, escreve, folheia
seus livros e medita. Se levanta;
vai para porta do jardim. Passeia.
Às vezes fala só, às vezes canta.

Seus grandes olhos de fitar inquieto
agora errar parecem sem objeto
aonde possam pousar, no vazio.

Já fogem de seu ontem pra amanhã;
e já fitam no tempo, — pai, vigio —,
piedosamente esta cabeça cã.    

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