quinta-feira, 25 de junho de 2015

Não foi lançado ainda o Cacau inventado de Wladimir Saldanha, mas, aqui em casa, já adoça as tardes chuvosas. Link para o blog do poeta: http://quinzedoze.blogspot.com.br/ 

A CASA DE ALPENDRE


Frequenta o entressonho do alpendre:
cadeiras de antessala − quase casa;
os ganchos para a rede − quase taba;
algum jardim suspenso − quase mata.

No panacum à porta, guarda-chuvas
com seus cabos recurvos, são perguntas:
pistilos, que eram eles! Flores cujas
pontas agudas – coifas − sonham terra.

Frequenta o entressonho do alpendre
e tira o que não tens, o teu chapéu
e mesmo essa varanda que tresanda...

O cheiro de ser quase é que rescende:
beiral que não é teto, nem é céu;
soou tão irreal dizerem “Entre”...

Wladimir Saldanha. Cacau inventado. Ilhéus: Mondrongo, 2015, p.46

domingo, 7 de junho de 2015

III - A não-tormenta

Para meu pai

E novamente vejo o mar parado.
As ondas se deitaram. O próprio vento,
Que outrora me ofertava movimento,
Parece que dormiu de tão cansado.

Ao norte nada, e em seu oposto lado
Lembranças, que sussurram num alento,
No oeste um sol se põe, já sonolento,
Do leste surge um céu revigorado:

É noite grande. Cada estrela é um marco
De quem pôs resistência em naufragar.
E assim, com cada braço faço um arco.

Sem ver para onde vou, passo a remar.
Não sei quanto de mim constrói o barco,
Nem sei quanto de mim preenche o mar.

Henrique Rodrigues. A musa diluída. Rio de Janeiro: Record, 2006, p.65

sexta-feira, 5 de junho de 2015


                                   Água e sal


                                   digo que foi o vento:
                                   inundou meus olhos
                                   de sal

                                   (esse vento do mar
                                   você sabe...)

                                   mas é mentira:
                                   não são lágrimas
                                   de sal
                                   é a pungência do azul


             Carlos Machado. Tesoura cega. São Paulo: Dobra Literatura, 2015, p.67 

terça-feira, 2 de junho de 2015

NOTA PRELIMINAR

E, aqui, estou de novo, dia a dia,
a xícara bem próxima, hesitando
se era esta mesmo a vida que eu queria.
Digo que sim e que não, mas fumando
a decisão se vai como uma trilha
de fumo azul, sutil, distante,
em minha mão a cinza já demora
(minha vida se iguala à cigarrilha
que se fuma sozinho, interrogante).
O sol, a praça, esse sorriso, fora,
de uma mulher que passa ensimesmada
dizem que sim, talvez, que nada
além de poeira gris e ar azulado... E    
na boca o gosto do café gelado.


Pablo Anadón. El trabajo de las horas (2006).

 NOTA PRELIMINAR

Y aquí estoy, nuevamente, todavía,
frente a un pocillo de café, dudando
si era ésta la vida que quería.
Diga que sí o que no, fumando
la decisión se irá como un hilillo
de humo sutil, azul, distante
y quedará en mi mano la ceniza
(mi vida se parece a un cigarrillo
que se consume solo, interrogante).
Afuera, el sol, la plaza, la sonrisa
de una mujer que pasa ensimismada
dicen que sí, tal vez, que nada
sino polvillo gris y aire azulado...
Y en la lengua el sabor del café helado.