domingo, 7 de junho de 2015

III - A não-tormenta

Para meu pai

E novamente vejo o mar parado.
As ondas se deitaram. O próprio vento,
Que outrora me ofertava movimento,
Parece que dormiu de tão cansado.

Ao norte nada, e em seu oposto lado
Lembranças, que sussurram num alento,
No oeste um sol se põe, já sonolento,
Do leste surge um céu revigorado:

É noite grande. Cada estrela é um marco
De quem pôs resistência em naufragar.
E assim, com cada braço faço um arco.

Sem ver para onde vou, passo a remar.
Não sei quanto de mim constrói o barco,
Nem sei quanto de mim preenche o mar.

Henrique Rodrigues. A musa diluída. Rio de Janeiro: Record, 2006, p.65