sexta-feira, 26 de setembro de 2014

ESCRITOR BAIANO LANÇA DICIONÁRIO AMOROSO DE SALVADOR 

NA LIVRARIA CULTURA


João Filho retrata a cidade em verbetes e com humor crítico; lançamento acontece neste sábado (27), às 18h


Por Laura Fernandes

Natural de Bom Jesus da Lapa, o escritor João Filho, 39 anos, retrata a cidade onde mora desde 2005 (Foto: Betto Jr.)


Como apresentar Salvador para turistas e baianos? A: andar pelos pontos turísticos da cidade. B: buscar lugares não tão óbvios assim. C: contar histórias sobre seu povo e casos que têm a capital baiana como cenário. De A a Z, são inúmeras as possibilidades e o escritor baiano João Filho, 39 anos, encontrou uma curiosa e criativa: o Dicionário Amoroso de Salvador (Casarão do Verbo/R$ 34/255 páginas).

Verbete a verbete, o autor costura crônicas sobre pontos turísticos, bairros, monumentos históricos, artistas e sobre a inconfundível personalidade do baiano. A obra, que tem lançamento amanhã (27), às 18h, na Livraria Cultura do Salvador Shopping, integra a Coleção Dicionário Amoroso das Capitais Brasileiras. Salvador é a quarta cidade a ser retratada, depois de Recife, Curitiba e Porto Alegre.

Apesar do livro levar o "amor" no título, engana-se quem pensa que João retrata a cidade de forma ingênua. Elogios e verdadeiras declarações de amor andam lado a lado com ironia, humor e crítica. "É 'amoroso' porque abarca tanto defeitos quanto qualidades. Quem ama consegue ver tudo isso", acredita o autor, declaradamente influenciado por Nelson Rodrigues (1912-1980).

 Para ter uma ideia do retrato feito por João Filho - a convite do editor da Casarão do Verbo, Rosel Soares - é só passar o olho pelos 58 verbetes, alguns ilustrados por Caius Marcellus. Entre os listados no livro, que lembra um guia turístico, estão Armandinho, Abaeté, Ba-Vi, Candomblé, Caymmi, Elevador Lacerda, Estação da Lapa, Fitinhas do Bonfim, Igrejas, Jorge Amado, Os Falares, Preguiça e Vendedor de Cafezinho.

Alguns merecem ser citados e um deles é Brotas. "Brotas não é um bairro. Dizem as boas línguas que é um país que faz divisa com Salvador. Desse modo, você tem que estudar o idioma, trocar o câmbio e tirar o passaporte. (...) Apesar dos geógrafos insistirem, não tem limites, ninguém sabe onde começa ou termina. (...) Toda ladeira vai dar em Brotas", diz um trecho.

Outro interessante é Os Falares, que ressalta a linguagem do baiano a partir de uma cantada: "-Ah, morena, ainda caso com você. - Aooonde! O 'aonde' utilizado como interjeição negativa é um achado linguístico. Se a linguagem é um reflexo da realidade, em Salvador, ela é uma farra e será sempre uma licença poética. Desse jeito, prepare-se ao tentar obter informações geográficas por aqui. (...) Se você perguntar: onde é que fica tal loja? Vão te responder: lá na antiga coca-cola".

Já Campo Grande e Praça Castro Alves ilustram um misto entre denúncia e amor por Salvador. Um trecho do primeiro pode ser lido na página ao lado, enquanto o segundo diz: "A Praça não é de ninguém. O poeta - de mão estendida, pede às musas inspiração, ou, como os mendigos, pede moedas? - está de costas para o mar. Sob a estátua estão seus ossos. Sua glória é também seu túmulo. (...) A praça é dos pombos. (...)".

Antes de prosseguir com a matéria, vamos dar só mais um pulo pela Estação da Lapa. "Eis aqui a muvuca em estado bruto. É a aorta cardíaca da cidade. As multidões escoando pelos túneis, descendo e subindo as escadarias, desaguando lá embaixo na Estação da Lapa", começa o verbete, que ressalta que "a convulsão ordenada das gentes e a zoada de suas vozes é o combustível no motor do dia (...)".

LOUQUÍSSIMA João Filho escreveu seu Dicionário Amoroso sentado todos os dias, das 8h às 23h, entre outubro do ano passado e janeiro deste ano. Depois de rever Salvador, ler e reler livros sobre ela, o escritor, natural de Bom Jesus da Lapa, fez uma "lista louquíssima" com tudo o que gostaria de retratar da cidade onde mora desde 2005. "Tentei jogar o máximo que pudesse dentro do livro. Até que percebi que era impossível. Não dá pra captar uma cidade toda no livro, então fui por eliminação e fui pegando as coisas e figuras representativas", explica o autor.

Ele não nega sua subjetividade na seleção, mas conta que tentou "ficar escondido" e deixar a cidade em destaque. Esse é o segundo livro de João publicado este ano. Além do Dicionário, ele lançou o livro de poemas A dimensão necessária (Mondrongo). O autor, que começou a escrever com 13 anos, ganhou destaque a partir da estreia com Encarniçado (Baleia), de 2004. "Foi o livro que me deu 15 minutos de fama", diz, rindo, ao lembrar o lançamento feito na Festa Literária Internacional de Paraty, em 2005.

João confessa que se divertiu muito com o Dicionário Amoroso de Salvador. "Dei muita risada. Minha relação com Salvador é de amor e ódio.Tentei jogar tudo isso, de forma bem irônica, sempre com algum teor filosófico e uma brincadeira. Tem denúncia, aparece um pouco meu rancor, mas também todo o meu amor pela cidade". Sobre o que ficou de fora, João lembra de uma conversa com o amigo que enumerou que ele "não colocou isso, isso e isso".

"Assim cada um vai ter que fazer seu próprio dicionário amoroso", concluiu o rapaz, após a lista de coisas que não foram contempladas. João achou a ideia ótima. Letra A: vamos começar?

*VERBETE CAMPO GRANDE

"(...) Aqui é território de todos e de ninguém: velhos e pipocas, crianças e cigarros, pedintes e colegiais, putas e funcionários públicos, picolés e moradores de rua; acolá vai um sacizeiro no rumo do seu vício; não faz muito tempo, perto do laguinho, um estudante foi deixado sem vida. No centro e dominando a Praça, O Monumento aos Heróis da Independência, vulgo, monumento  ao caboclo, erguido em 2 de julho de 1895, é obra do escultor Carlo Nicoli. Cabem no Largo todas as nuances psíquicas do humano, do civismo ao canalhismo, passando pela candura à selvageria, e a inocência dos meninos e meninas que burlam o tempo no parquinho. A luz se multiplica nas grandes copas centenárias. Todo o Largo em sua exuberância espacial, que tanto você quanto eu podemos apenas intuir num relance imaginativo, é de uma transparência que revigora e tranquiliza. (...) Os garis combatem, mas a incivilidade avança. Trabalho não cessa. Não há como varrer as manchas da memória que marcam uma praça. As incontáveis vezes que o drama, a tragicomédia anônima se desenrolaram no seu piso, o desespero e a alegria que as nuvens registraram (...)"


*Trechos do livro
(Foto: Evandro Veiga/Arquivo Correio)

Estação Ressalta que em Salvador "ou chove ou faz sol". "As chuvas de verão pegam de surpresa muitos desavisados. Ensopam o sujeito em plena praça ou avenida e o abandonam por lá. Mal passou a chuva, sobe o mormaço. Aí, meu amigo, o também desavisado parece que vai sufocar, o ar fica grudento (...)"

(Foto: Evandro Veiga/Arquivo Correio)

Fitinhas do Bonfim "Esqueça as desavenças históricas, (...) as falsas teologias de ateus - e amarre a fita no pulso, a cada nó faça um pedido (...) e se fie no Alto, ele cumprirá seus votos. No entanto, ali pelo centro histórico, para sua segurança, não aceite em hipótese alguma as figuras que abordarem você oferecendo fitinhas do Bonfim (...)"

(Otto Stupakoff/Divulgação)

Jorge Amado "Antes e com zelo, melhor que se aclare, além de ser um dos três criadores da baianidade nagô (os outros dois são Carybé e Caymmi), a literatura de Jorge Amado (1912-2001) tem como fundamento o fuxico. Através deste, escreveu pequenas obras-primas. Dito isso, continuemos (...)".

Tirei daqui: http://www.ibahia.com/detalhe/noticia/escritor-baiano-lanca-dicionario-amoroso-de-salvador-na-saraiva/?cHash=82186b72d44a9b8a0cfa6a3e7699cfc5
Uma crônica de Pina L. C. Bragança. 

FUI À BIBLIOTECA


Fui à biblioteca pública da minha cidade* após ouvir um garoto típico dos nossos dias cheio de opinião, que mal sabe ler e se espanta quando perguntado quem é o autor de um determinado livro e acha que protagonista é algum alienígena. Fazia calor. Cheguei sacudindo a camisa polo e os meus olhos sorriram para uma grande árvore de folhas pequeninas embelezando a biblioteca. Paro por algum tempo e me vejo por entre as copas bordando o chão de sombras. Pensei: “Que árvore é?”.

Do interior da biblioteca, entre estantes paralelas de prateleiras com livros e mais livros de poesias, crônicas, contos, novelas, romances, dentre outros, o visitante pode escolher o gênero do seu interesse, sentar e ler, enquanto ouve o canto de algum passarinho, o sussurro das conversas, o arrastar respeitoso de cadeiras e, ao longe, os ruídos dos automóveis. Escolho uma mesa próxima da janela, justamente para os meus olhos alcançarem a árvore da raiz às folhas verde-escuras e o céu azul carente do rastro das asas da adolescência.

Mesmo nesse pequeno mundo arejado pela literatura, o jovem “sem noção”, no elevado da sua arrogância, “mandou”:

“Naquela merda não tem nada o que a gente quer!”. Questionei: “Mas nada como?”. Com a cabeça encoberta por um boné com a aba virada para trás, respondeu: “Livro de estória, ué!”. “Mas é o que mais tem numa biblioteca”. “Nada da minha curtição, tá ligado, véio?”. Olhei-o por alguns segundos no intuito de questioná-lo. Desisti. Com o tempo ocioso descobri na biblioteca o suficiente para que um moço de 17 anos (idade aproximada do dito cujo) pudesse ter uma boa educação do imaginário.

Por quase duas horas passei em revista as prateleiras carregadas de livros com nomes famosos gravados neles. Aproveitei para folhear algumas dessas obras e tomar a liberdade de trocar bate-papos com quatro poetas: Rainer Maria Rilke, Cruz e Sousa, Jorge de Lima e Murilo Mendes. Quanta honra. Estavam presentes os mestres Graciliano Ramos, Machado de Assis e próximo deles Marques Rebelo acompanhado por José Lins do Rego. Rubem Braga chegou minutos depois com as suas crônicas e algumas delas ainda pulsam o meu coração de lirismo. Passei um bom tempo ouvindo J. R. R. Tolkien falar dos seus mundos, dos seus personagens e do valor da amizade.

Então, olhando para a folhagem da árvore (disseram-me “ela está condenada, mas vão plantar outra”), pensei: “Meu Deus, todos esses escritores seriam grandes amigos desse moço em jornadas pelo saber, caso ele fosse gentil à leitura no espaçar dos anos”. Assim ele conheceria outras vidas (experiências vividas), personagens pelas quais faria descobertas dele mesmo, quando tiraria o boné para arejar a cabeça e bem sei: aproveitaria o gesto para reverenciar os mestres e extirparia a vergonha de um dia ter dito “Naquela merda não tem nada o que a gente quer!”.


*Santo Antônio da Platina (Norte Pioneiro do Paraná).

sábado, 20 de setembro de 2014

SERENATA


Que transparência no meio
dos teus cabelos doía
quando as brisas os alavam
as brisas que então corriam
quando as noites se apressavam

ainda há na brisa um descampado ondeando
que o vento não tardou a arborizar
mas por chegares já opto por um bando
de modos de ave para te deixar.

Sebastião Alba. O ritmo do presságio. INLD: Maputo, 1981, p.40

domingo, 14 de setembro de 2014

Tudo em volta induz à loucura, ao infantilismo, à exasperação imaginativa. Contra isso o estudo não basta. Tomem consciência da infecção moral e lutem, lutem, lutem pelo seu equilíbrio, pela sua maturidade, pela sua lucidez. Tenham a normalidade, a sanidade, a centralidade da psique como um ideal. Prometam a vocês mesmos ser personalidades fortes, bem estruturadas, serenas no meio da tempestade, prontas para vencer todos os obstáculos da vida com a ajuda de Deus e de mais ninguém. Prometam SER e não apenas pedir, obter, sentir, desfrutar.

Olavo de Carvalho

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O CANTO


O canto, mesmo que seja para que a noite desça sobre a alma.
O canto, mesmo para que cesse a vida. O canto, mesmo sem esperança.
Mesmo que as estrelas caiam sobre antigas torres onde ficaram sombras de
                                                                                                mortos soluçando.
E as crianças sejam impuras. E as mães não recuperem a infância.
Mesmo que o coração não possa reter uma só nota da ária angélica
nem conduzir consigo, para a sombra, a palpitação de coros inefáveis.
O canto, mesmo que seja para que a voz permaneça amarga e inapreendida,
mesmo que seja para que os sonhos se asfixiem lentamente
e reine, para sempre, a solidão feroz
dos píncaros desertos,
dos rochedos,
da treva.

Alphonsus de Guimaraens Filho. Só a noite é que amanhece. Rio de Janeiro: Record, 2003, p.220.


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Amanhã, 06 de setembro, lançamento do Dicionário amoroso de Salvador, em Lençóis. 
Na I FLICH.