sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Uma crônica de Pina L. C. Bragança. 

FUI À BIBLIOTECA


Fui à biblioteca pública da minha cidade* após ouvir um garoto típico dos nossos dias cheio de opinião, que mal sabe ler e se espanta quando perguntado quem é o autor de um determinado livro e acha que protagonista é algum alienígena. Fazia calor. Cheguei sacudindo a camisa polo e os meus olhos sorriram para uma grande árvore de folhas pequeninas embelezando a biblioteca. Paro por algum tempo e me vejo por entre as copas bordando o chão de sombras. Pensei: “Que árvore é?”.

Do interior da biblioteca, entre estantes paralelas de prateleiras com livros e mais livros de poesias, crônicas, contos, novelas, romances, dentre outros, o visitante pode escolher o gênero do seu interesse, sentar e ler, enquanto ouve o canto de algum passarinho, o sussurro das conversas, o arrastar respeitoso de cadeiras e, ao longe, os ruídos dos automóveis. Escolho uma mesa próxima da janela, justamente para os meus olhos alcançarem a árvore da raiz às folhas verde-escuras e o céu azul carente do rastro das asas da adolescência.

Mesmo nesse pequeno mundo arejado pela literatura, o jovem “sem noção”, no elevado da sua arrogância, “mandou”:

“Naquela merda não tem nada o que a gente quer!”. Questionei: “Mas nada como?”. Com a cabeça encoberta por um boné com a aba virada para trás, respondeu: “Livro de estória, ué!”. “Mas é o que mais tem numa biblioteca”. “Nada da minha curtição, tá ligado, véio?”. Olhei-o por alguns segundos no intuito de questioná-lo. Desisti. Com o tempo ocioso descobri na biblioteca o suficiente para que um moço de 17 anos (idade aproximada do dito cujo) pudesse ter uma boa educação do imaginário.

Por quase duas horas passei em revista as prateleiras carregadas de livros com nomes famosos gravados neles. Aproveitei para folhear algumas dessas obras e tomar a liberdade de trocar bate-papos com quatro poetas: Rainer Maria Rilke, Cruz e Sousa, Jorge de Lima e Murilo Mendes. Quanta honra. Estavam presentes os mestres Graciliano Ramos, Machado de Assis e próximo deles Marques Rebelo acompanhado por José Lins do Rego. Rubem Braga chegou minutos depois com as suas crônicas e algumas delas ainda pulsam o meu coração de lirismo. Passei um bom tempo ouvindo J. R. R. Tolkien falar dos seus mundos, dos seus personagens e do valor da amizade.

Então, olhando para a folhagem da árvore (disseram-me “ela está condenada, mas vão plantar outra”), pensei: “Meu Deus, todos esses escritores seriam grandes amigos desse moço em jornadas pelo saber, caso ele fosse gentil à leitura no espaçar dos anos”. Assim ele conheceria outras vidas (experiências vividas), personagens pelas quais faria descobertas dele mesmo, quando tiraria o boné para arejar a cabeça e bem sei: aproveitaria o gesto para reverenciar os mestres e extirparia a vergonha de um dia ter dito “Naquela merda não tem nada o que a gente quer!”.


*Santo Antônio da Platina (Norte Pioneiro do Paraná).