quarta-feira, 13 de maio de 2015


A PUNIÇÃO DO TEMPO


Os indivíduos, assim como as nações, quando deixam de cumprir o próprio destino, encontram apenas à sua frente o desastre. Os planos que se adiam ou que não se realizam nunca, e o afastamento progressivo de todos os horizontes - eis o tributo a pagar pelos que continuam trocando a realidade pela aparência. Pois a partir do momento em que os indivíduos, assim como as nações, se apegam ao simulacro das coisas em lugar delas mesmas, não conseguem mais escapar do círculo vicioso das falsas expectativas e das decorrentes tergiversações.

Quem faz da vida um brinquedo sem importância, como irá se importar com a perda, ainda que funesta, de qualquer sinal de transcendência? O caráter simulador de certos projetos pessoais de que modo, também, se constituirá em problema para os que não pretendem romper com o já conhecido ramerrão? Como o sentimento de exílio irá habitar o coração de quem não sabe evocar, por ausência do sonho, nenhuma pátria de origem?

Quem se acha pleno com tão pouco não sentirá, certamente, carência daquilo que, para bem poucos, representa uma perdição sem remédio. De uma vez que aspirar algo implicará sempre em se projetar um espaço para o voo. E só chega inteiramente a voar aquele que se entrega, sem cálculo, às alturas, pois quem as desdenha se mostra capaz até de sacrificá-las para que outros não as alcancem.

Não hão de faltar, por isso, os que preferem o brilho das poças de lama aos das estrelas porque aquelas, e não estas, parecem cativas das suas mãos. Não por acaso o sentido das distâncias costuma provocar verdadeiro terror nos que não conseguem fugir da intimidade de sua exclusiva miséria. E assim na confiança um tanto exagerada com que muitos de nós repousamos nossos olhos sobre as coisas, ao esperar delas o que jamais nos poderiam dar - por dependerem menos dos nossos arroubos que as exigências do tempo - estaremos finalmente enfrentando a hora do ajuste de contas quando nos soa, inapelável, a advertência inúmeras vezes ouvida com desprezo por conta do seu linguajar caracteristicamente pitoresco e rude: "Aí babau, Nicolau".

(Ângelo Monteiro, in_Opinião JC, 12/05/2015). Através de Luciane Amato, Instituto Landmark http://centrolandmark.com/