sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Só o dom do pó
Junto a essas águas basta,
E o chacoalhar dos ossos
Nas correntes fundas
Pra que saibam, Arquita, qual foi o nosso fim.

Nessas paragens, lembramos a morada antiga,
A abóbada celeste, o arco pleno e distante.
Mas aqui só sentimos o que já foi,
E o que vemos, não existe;
Nossa memória, o Letes
Só dissolveu uma parte,
E pela doçura do vivido,
Nosso cerne anseia ainda.

Sim, faríamos tudo para voltar,
Inda que como escravos,
Carregando fardos dia a dia,
E eu diria tudo o que calei,
Sentiria tudo o que adiei.

Já sem corpos, inda amamos,
Mas aqui no Orco
As sombras não se tocam.
Ah, ter cruzado o portal terrível,
Velhos ou jovens, felizes ou infelizes,
Encontrando a sepultura
Entre os bramidos e os esguichos do sal, sem poeta
Para grafar na face móvel das águas
Um dístico em nosso nome —
Sem consolo ou mão amada.

Vai, manda dizer, Arquita,
Que estamos aqui
E ansiamos pela voz dos amigos.

Lawrence Salaberry, Engano especular, Ed. É Realizações, 2012, p.8-9
Mais do e sobre o poeta aqui:
http://www.dicta.com.br/edicoes/edicao-3/seis-poemas/