terça-feira, 4 de agosto de 2015

A NOITE FRIA
A Malu Grabowski

I

Eu fiz de tudo um capitel de escombros.
Dediquei-me a arruaças repentinas,
amontoei no ar minhas ruínas,
joguei tudo no chão e dei de ombros.

Sacrifiquei assim crenças e assombros
à doce inconclusão das cavatinas:
via-os ruir e ao ritmo de seus tombos
ia compondo estrofes assassinas!

Não tem perdão meu perdulário ofício
de tordo de deserto -- que onde eu pouso
o cacto em flor da arte, este meu vício,

é tudo insolação; que um fabuloso
sol carnívoro e frio põe um gozo
mavioso onde eu ponho um precipício.

Bruno Tolentino. O mundo como Idéia. São Paulo: Globo, 2002, p.366