quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Quando vejo nas gazetas as queixas dos jovens poetas, inconformados porque não têm editores nem leitores, ou críticos dispostos a reconhecer os seus versos ou não-versos, lembro-me do exemplo de Manuel Bandeira. Só perto dos sessenta anos o grande poeta conseguiu editores para os seus livros. Saiu do seu bolso o dinheiro para imprimir A cinza das horas (1917), sua estréia aos 31 anos. O Carnaval (1919), foi custeado pelo seu pai, que morreu pouco depois. Só uma vez logrou um editor, nesses tempos em que, sem o saber, estava mudando a poesia brasileira com a sua voz altiva e pungente, irônica e terna, solitária e solidária -- com a sua palavra fraterna. Amigo de seu tio, o acadêmico e ensaísta Souza Bandeira, o também acadêmico e gramático Laudelino Freire publicou, num volume, Poesias (1924), seus três primeiros livros (A cinza das horas, Carnaval e Ritmo dissoluto). Foi só. Já cinqüentão, e candidato à Academia, pagou do seu bolso a primeira edição das Poesias completas. Também os convites para colaborar nos grandes jornais só vieram quando o poeta se aproximava dos sessenta anos. Uma vez, ao saber que certo jovem poeta vendia aos jornais as suas primícias líricas, desabafou comigo: "Se quando eu era moço ousasse subir a escada de um jornal para vender um poema, seria expulso da redação a pontapés." Sozinho no mundo, já que sua única irmã também fora levada pela morte, o poeta passou muitos anos traduzindo biografias e romances policiais para viver, e escrevendo crônicas para jornais que só pagavam aos pingos. 

Lêdo Ivo. Teoria e celebração, ensaios. São Paulo: Duas cidades, 1976, p.87, 88.